25 de out. de 2008


Nua e Crua
Raimundo Correia



Doire a Poesia a escura realidade

E a mim a encubra! Um visionário ardente

Quis vê-la nua um dia; e, ousadamente,

Do áureo manto despoja a divindade;



O estema da perpétua mocidade

Tira-lhe e as galas; e ei-la, de repente,

Inteiramente nua e inteiramente Crua,

como a Verdade! E era a Verdade!



Fita-a em seguida, e atônito recua...

— Ó Musa! exclama então, magoado e triste,

Traja de novo a louçainha tua!


Veste outra vez as roupas que despiste!

Que olhar se apraz em ver-te assim tão nua?

... À nudez da Verdade quem resiste?!

24 de out. de 2008

ESTRELA CADENTE

Traço de luz… lá vai! Lá vai! Morreu.
Do nosso amor me lembra a suavidade…
Da estrela não ficou nada no céu
Do nosso sonho em ti nem a saudade!

Pra onde iria a ’strela? Flor fugida
Ao ramalhete atado no infinito…
Que ilusão seguiria entontecida
A linda estrela de fulgir bendito?…


Aonde iria, aonde iria a flor?
(Talvez, quem sabe?… ai quem soubesse, amor!)
Se tu o vires minha bendita estrela
Alguma noite… Deves conhecê-lo!

Falo-te tanto nele!…Pois ao vê-lo
Dize-lhe assim: “Por que não pensas nela?”

Florbela Espanca - Trocando olhares - 29/07/1916

27 de set. de 2008






Os quatro fabulosos que nasceram na semana mais fértil do futebol

Simon Kuper

Em 22 de setembro de 1976, um grande jogador de futebol nasceu no Rio. "Você sabe de onde veio o nome Ronaldo?" seu pai perguntou ao escritor Frans Oosterwijk anos depois. "Do médico que fechou as trompas da mãe após o nascimento dele. Há, há. Doutor Ronaldo, era o nome dele."

Este nascimento deu início à semana mais fértil da história do futebol. Quatro dias depois de Ronaldo, o pequeno Michael Ballack nasceu em Görlitz, na República Democrática Alemã (Alemanha Oriental), seguido por Francesco Totti, em Roma, em 27 de setembro, e o quarteto é completado quando Andriy Shevchenko nasceu na aldeia ucraniana de Dvirkivschyna, em 29 de setembro.

Provavelmente havia algo na água naquela estação. Em 1º de julho de 1976, Ruud van Nistelrooy e Patrick Kluivert nasceram na Holanda. Seja qual for o segredo, à medida que o quarteto completa 32 anos e se aproxima da linha de chegada, é uma chance de esboçar uma espécie de carreira do astro moderno do futebol.

O primeiro ponto a despontar é que a origem pouco importa. No futebol moderno, é irrelevante ter vindo de uma aldeia evacuada após o desastre de Chernobyl (Shevchenko), de uma família romana tão tradicional que sua mãe sempre passava o uniforme de futebol (Totti), ou de Dr Salvador-Allende-Strasse, 168, Karl-Marx-Stadt, Alemanha Oriental (Ballack).

Todos os quatro cresceram sonhando com a grandeza. Totti inicialmente queria ser frentista de posto de gasolina, Ronaldo queria ser cantor, Shevchenko lutava boxe e Ballack foi identificado pelo governo da Alemanha Oriental como um futuro patinador de velocidade. Apenas Ronaldo foi um adolescente prodígio: aos 17 anos, ele já estava sentado no banco de reservas da Seleção Brasileira na final da Copa do Mundo de 1994, segundo dizem tremendo de medo de ser chamado para entrar em campo. A primeira coisa que comprou com sua nova riqueza foi um aparelho ortodôntico. Seus dentes "de coelho" atormentaram sua juventude.

Os outros três chegaram depois. Nenhum esteve presente no Mundial Sub-20 de 1995. Nunca mais se teve notícia do destaque do torneio, o brasileiro Caio.

Ballack foi quem levou mais tempo para se tornar um astro. Aos 22 anos, ele ainda não jogava regularmente na Bundesliga alemã. Seu período mais longo no anonimato pode ser o motivo para ser o único no quarteto a não ter se casado com uma modelo ou artista. Em vez disso, ele conheceu uma garçonete bonita no Café Am Markt, em Kaiserslautern. Enquanto isso, Ronaldo alternava entre uma legião de loiras, conhecidas coletivamente como Ronaldinhas.

Esta é a primeira geração de jogadores de futebol globalizados. Apesar dos primeiros jogadores ex-soviéticos a se mudarem para o Ocidente terem fracassado, Shevchenko trocou o Dínamo de Kiev pelo Milan e se adaptou instantaneamente. Ele apenas se mudou de um país parcialmente capitalista com uma forte máfia, onde o homem comum não tinha nada, para um país parcialmente capitalista com uma forte máfia, onde o homem comum anda vestido em Armani. Ele se casou com uma modelo americana.

Todos os quatro deram nomes cosmopolitas para seus filhos. Shevchenko batizou um filho de Jordan, em homenagem a Michael Jordan; os meninos de Ballack são Louis, Emilio e Jordi; e o filho de Ronaldo se chama Ronald, porque o jogador e sua esposa na época gostavam de comer no McDonald's. Até mesmo Totti, o eterno romano, deu o nome de Chanel a sua filha.

Com vinte e tanto anos, estes jogadores viviam uma sucessão de grandes momentos - apesar de Ballack não ter conseguido grandes conquistas. O tempo no topo se move rápido demais para permitir muito tempo para saborear. Em Yokohama, em 2002, nem uma hora depois de Ronaldo ter marcado dois gols na conquista da Copa do Mundo, um jornalista brasileiro lhe disse: "Nós não estamos interessados no passado, só no futuro". Ronaldo desejava conquistar o ouro olímpico? E quanto à próxima Copa do Mundo?

"Agora eu não quero sentir qualquer pressão a respeito do futuro", Ronaldo respondeu ao seu modo sereno. "Eu só quero comemorar." Ele finalmente tinha aprendido uma habilidade essencial para a vida no topo: dizer não.

Todos esses jogadores desenvolveram uma forma de lidar com o estresse. Totti permaneceu para sempre no Roma, onde é amado mesmo quando não joga toda semana. Shevchenko acabou de voltar ao Milan, o melhor clube para paparicar jogadores. Ronaldo priorizou as Copas do Mundo, freqüentemente ficando meses fora do clube de futebol. E quando Ballack chegou ao topo, ele já era maduro o suficiente para lidar com a pressão.

Nós agora podemos traçar o pico de cada um deles. O de Ronaldo foi em 2002; o de Shevchenko foi em 2004, quando foi eleito jogador europeu do ano; o de Totti foi 2006, quando conquistou a Copa do Mundo; enquanto Ballack quase conquistou tudo neste ano. Isso mostra que quanto mais à frente se joga, mais dependente o jogador se torna da aceleração e mais cedo é o seu pico. Ballack, o único meio-campista real do quarteto, é aquele que mais dura.

A jornada termina prematuramente. Gradualmente, as lesões cobram seu preço cumulativo. Totti e Ballack estão tendo dificuldade para retomar a forma. Shevchenko espera marcar seu primeiro gol nesta temporada antes de seu aniversário. Ronaldo está se recuperando em uma praia do Rio de outra lesão terrível no joelho, mas ainda não consegue dizer adeus: "Eu sinto tamanha paixão pelo futebol que estou pronto a fazer qualquer sacrifício para voltar". Ele insinua jogar no Manchester City.

Mas ele foi recentemente fotografado pela revista "Veja" em um iate, barrigudo, fumando e bebendo cerveja. De uma forma ou de outra, é assim que termina.

Tradução: George El Khouri Andolfato

26 de set. de 2008

Manhã de sábado. Chovia fino, uma garoa fria e constante. Acordei cedo pensando na noite passada. "É desconcertante rever um grande amor", dizia a a canção que tocava no rádio. Ontem tive a oportunidade de reencontrar Joana. Telegraficamente trocamos olhares furtivos. Nada acrescentar. Pelo vidro turvo da janela as flores vermelhas da bonilha pareciam roxas. Defronte a arvore vazia de pardais num jardim silencioso e verde, vejo o vulto silencioso de Beth. Ainda que chovesse, lá estava lá varrendo folhas inexistentes com uma capa amarela. TOC. mania de limpeza incurável. Os olhos de Joana ainda ~mantém aquele brilho juvenil dos quinze anos. Sua pele de um branco gasto convidavam ao toque. Impossível. Cabelos pretos encaracolados e finos. Olhos negros e nariz aquilino. Sorriso de comercial de tv. Os seios já não possuem aquela antiga firmeza... Ah! ... não entendo porque estou escrevendo essas coisas...
Bem isso não é um diário... Sei lá ....

1 de ago. de 2008

4 ● Público ● Domingo 27 de Julho de 2008

PORTUGAL

Literatura Autor Brasileiro eleito por maioria para principal distinção literária lusófona

Ubaldo Ribeiro ganhou Prémio Camões e foi o último a saber

Distinguido escritor “com obra densa” das culturas portuguesa, africana e brasileira
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Isabel Coutinho
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O escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro é o vencedor do Prémio Camões 2008. E é caso para se dizer que o autor foi o último a saber.
Ontem, quando se realizou a conferência de imprensa num hotel de Lisboa, o ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, ainda não tinha conseguido entrar em contacto com o escritor brasileiro para lhe comunicar a decisão do júri. Bem tentaram atrasar o anúncio do prémio, mas de nada valeu. Ainda não se sabe quando o prémio - o mais importante da literatura lusófona - será entregue, mas Pinto Ribeiro disse que, em princípio, o montante deste ano será semelhante ao de 2007–100 mil euros.
O júri era presidido por Ruy Espinheira Filho (escritor, jornalista e professor da Universidade Federal da Bahia), e incluía Maria Lúcia Lepecki (professora na Universidade de Lisboa, que por motivos de saúde participou por via telefónica), Maria de Fátima Marinho (professora na Universidade do Porto), Marco Lucchesi (professor na Universidade do Rio de Janeiro), João Melo (poeta e jornalista angolano) e Corsino Fortes (presidente da Associação de Escritores Cabo-Verdianos).
Deliberou por maioria . Na sua decisão teve em consideração “o alto nível da obra literária de João Ubaldo Ribeiro, especialmente densa das culturas portuguesa, africanas e dos habitantes originais do Brasil”, lê-se na acta.

O “opressor lusitano”
João Ubaldo Ribeiro, baiano, 67 anos, publica desde os 22. Nasceu na ilha de Itaparica, vive no Rio de janeiro. É neto e sobrinho de portugueses de Fafe. Foi apadrinhado por Jorge Amado na sua primeira obra - Setembro Não Faz Sentido e é membro da Academia de Letras do Brasil.
É considerado um homem de grande cultura; poliglota, estudou e formou-se nos Estados Unidos, Alemanha e França. É mestre em Ciências Políticas. Viveu um ano em Lisboa, em 1981, graças a uma bolsa concedida pela Fundação Gulbenkian.
Não há candidatos ao Prémio Camões, instituído por Portugal e pelo Brasil em 1989, que consagra toda a obra de um autor que contribua para a projecção e reconhecimento da língua portuguesa. “O júri reúne-se e coloca na mesa nomes que são representativos, e as obras dessas pessoas são discutidas. Debatem, chegam a acordo”, explicou Espinheira Filho. São geralmente três, quatro nomes que começam a ser debatidos e desses tem que se escolher um. Faz parte do regulamento que o prémio não pode deixar de ser atribuído.
“Na verdade, a comissão neste caso decidiu que centraria as suas discussões em escritores brasileiros. Poderia ter sido diferente mas foi assim. Da próxima vez pode ser diferente. Como o júri tem poderes pala decidir na hora como serão os trabalhos, neste caso foi isso que se deu”, revelou o presidente do júri. “Não foi fácil a decisão”, continuou.
Ubaldo Ribeiro tem uma obra já vasta e alguns prémios importantes. Alguns dos seus livros foram sucessos internacionais: o presidente do júri destacou Viva o Povo
Brasileiro - “o livro principal dele”.
Hoje, o autor vive do que produz intelectualmente. É cronista semanal de vários jornais e está a escrever um novo romance. “E um escritor em plena actividade criativa e acredito que este prémio vai apanhá-lo num momento muito positivo”, declarou Ruy Espinheira Filho.
Quando o seu livro A Casa dos Budas Ditosos (sobre a luxúria e escrito no feminino) foi publicado em Portugal, houve uma pequena polémica. Duas cadeias de hipermercados (Continente e Jumbo/Pão de Açúcar) não o quiseram vender. Estávamos em 2000, e o livro acabou por vender na época mais de 13 mil exemplares em cerca de dois meses.
Numa entrevista que deu ao PÚBLICO nessa altura, Ubaldo Ribeiro aconselhava quem não conhecesse a sua obra que começasse por Viva o Povo Brasileiro - porque, dizia ele, tem “a ver com a colonização portuguesa, com o inter-relacionamento dos nossos povos e - parodiando os livros tradicionais de História do Brasil — narra ironicamente a luta contra o chamado opressor português: “Era assim que nós aprendíamos na escola do meu tempo : ‘0 opressor lusitano foi vencido...”
Ontem, quando a agência Lusa disse a José Saramago (Prémio Camões 1995) o nome do vencedor deste ano, o escritor português exclamou: “Fico muito contente e até tenho vontade de dizer “Viva o povo brasileiro!”

24 de jul. de 2008

A CIDADE E A SAUDADE

Pacífico Ribeiro Rememora a Cidade Amada *

Paulo César da Silva Oliveira**

RESUMO:

O poema Jequié, é um soneto de Pacífico Ribeiro, escritor que nasceu em Jequié, em 13 de outubro de 1918. Esse poema foi publicado originalmente na coletânea o Meu Canto de Amor a Jequié, editado em 1988. É um olhar comparativo entre o presente e o passado num passeio sentimental em meio à cidade da memória e a cidade simbólica na qual o poeta colhe em cada rua uma saudade. O poeta percorre a cidade mais pela memória que por sua extensão física, apesar de achá-la bela e virente, ele se sente entristecido quando envolvido pela bruma do passado. A cidade real, a Jequié cantada pelo poeta, está presente através do uso de nomes próprios (Jequiezinho, Rio de Contas), contudo, encontra-se principalmente nas impressões sentimentais do eu lírico, que revisita poeticamente por meio de metáforas e trazendo novos sentidos que determinam seu valor poético.

Palavras-chave: saudade e cidade

JEQUIÉ

Pacífico Ribeiro

Jequié, terra do sol, formoso ninho,

Que me afagou na infância e mocidade.

Do seu berço ainda sinto todo arminho,

Aquecendo a ternura que me invade.

Desce o Rio de Contas de mansinho.

Beijando a parte morna da cidade.

Revejo a igreja, a ponte, o Jequiezinho,

E colho em cada rua uma saudade.

Minha terra cresceu, bela e virente,

Surgiram novas ruas, nova gente,

Velhos amigos já não vejo mais!

A bruma do passado me entristece,

Envolvendo minh´alma numa prece,

E cobrindo o jazigo de meus pais.

A cidade e a saudade

Saudade. No dicionário de Houaiss esse termo está definido como “sentimento mais ou menos melancólico de incompletude”. Essa incompletude quase sempre, pode ser aumentada ou diminuída pela memória ou mesmo a situações de privação da presença de alguém ou de algo, de afastamento de um lugar ou de uma coisa, à ausência de certas experiências e determinados prazeres já vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejável. Se para um lexicólogo renomado já é difícil definir esse termo, ainda mais difícil ainda é traduzi-lo numa linguagem literária em forma de versos em um soneto. Pacífico Ribeiro poeta que tentou traduzir em imagem poética todo o amor que sentia por sua cidade natal, neste poema intitulado Jequié retoma um tema constante na literatura o saudosismo da terra natal. O poeta inicia o soneto chamando a cidade de formoso ninho, evidenciando o caráter maternal e protetor do local de nascimento.

Jequié, terra do sol, formoso ninho,

Que me afagou na infância e mocidade.

Do seu berço ainda sinto todo arminho,

Aquecendo a ternura que me invade.

Esse primeiro quarteto inteiro é formado por metáforas que chamam a atenção pelo sentido de abrigo e amparo trazidos ao momento presente pela memória do autor: além de ninho, já citado, estão termos como: afagou, berço, arminho, aquecendo e ternura. A palavra ninho nos traz a mente um lugar de proteção e abrigo; o arminho, talvez devido à sua aparência simpática e pelagem valiosa, tem estimulado a imaginação do Homem. No Japão é considerado um símbolo de boa sorte e na Europa medieval e renascentista era visto como símbolo de pureza[1]. A imagem poética lembra um lar acolhedor onde se encontra refúgio e tranqüilidade. A própria sonoridade dos versos 1/3 com rimas pobres: ninho e arminho podem nos remeter aos sufixos formadores de diminutivo na língua portuguesa e que são usados estilisticamente para evidenciar o caráter afetivo imaginado por ele.

Desce o Rio de Contas de mansinho,

Beijando a parte morna da cidade

Revejo a igreja, a ponte, o jequiezinho,

E colho em cada rua uma cidade.

A Jequié cantada nessa segunda estrofe, não existe enquanto espaço construído, e sim, enquanto memória. Esta cidade poderia estar no mesmo rol daquelas descritas por Ítalo Calvino em “As Cidades Invisíveis[2]” (CALVINO, 2003, p.6). Diomira por exemplo era desconhecida por Marco Pólo, mas ao avistar alguns símbolos nela existentes, o viajante veneziano fica com a impressão de já tê-la visto anteriormente; e a razão disso era reconhecer os símbolos desta em outras cidades nas quais havia passado.

Segundo Paulo Sérgio Rounet (ROUNET, 1997, p.65), muitas cidades são originadas diretamente da concepção do mundo dos seus idealizadores. Em Pacífico Ribeiro, esta visão fica repleta de saudades, pois esse lugar cantado é visto em sua relação com o passado “e colho em cada rua uma saudade”. Os lugares acima citados, por certo ainda estão lá, mas, ao percorrer tais espaços, o poeta não pode revê-los com os olhos do presente, pois é ao passado que retorna. Percebe-se ainda nesses versos que o espaço urbano descrito pelo poeta se compõe de objetos do cotidiano real: A igreja, a ponte e o jequiezinho, confirmando as teorias de LYNCH (1997) quando levanta a proposta de que o conteúdo visual de uma cidade se constitui por cinco tipos de elementos: vias, limites, bairros, pontos nodais e marcos, sendo estes últimos os objetos do real cotidiano. Unir-se a esses elementos não significava para o eu lírico um esconderijo, mas deles fazer-se elemento integrante, como preenchimento de seu vazio interior.

Minha terra cresceu, bela e virente,

Surgiram novas ruas, nova gente,

Velhos amigos já não vejo mais!

Do mesmo modo que Isidora era a cidade dos sonhos de Marco Pólo, Jequié é a cidade dos sonhos de Ribeiro. A cidade sonhada o possuía jovem; em Isidora, chega em idade avançada. Na praça, há o murinho dos velhos que vêem a juventude passar; (...). Os desejos agora são recordações. (Calvino, 2003, p.12). Ao ver sua cidade crescer “bela e virente”, o poeta entende que o progresso da cidade é inevitável e os dois primeiros versos desse terceto possuem verbos no tempo pretérito. Pode se supor que o eu lírico estivesse ausente quando essas mudanças ocorreram. A nova gente que freqüenta essas ruas se contrapõe aos velhos amigos que não mais são vistos, afinal, os últimos, habitavam uma cidade que não mais existe, ou melhor, continua existindo na memória do poeta. É interessante notar a mudança do verbo no último verso do terceto: Vejo, o verbo está no presente, sendo a cidade declamada pelo poeta, um lugar imaginário, os limites do tempo e do espaço tornam-se necessariamente fluidos, presente e passado são retomados num flash tornando-os indistintos entre si, como preconiza Gaspar Simões: “O homem só é alguma coisa quando se imobiliza ou deixa imóvel fora dele o que num instante se foi” (SIMÕES, 1931, p.45-46). È principalmente esse instante que o poeta eterniza em versos.

A bruma do passado me entristece,

Envolvendo minh’alma numa prece

E cobrindo o jazigo de meus pais.

Nesse último terceto o passado comparado metaforicamente como algo misterioso e escuro: bruma. A saudade retoma com força os versos finais revelando todo o esforço do poeta ao reconstruir a cidade imaginaria em sua memória poética. Marco Pólo (CALVINO, p.10) ao relembrar a cidade de Zora, conta que a cidade se torna imagem extraordinária e direta para todo indivíduo que a visita. Em cada ponto do local a memória se torna completa, o acesso a ela é imediato. Desse modo, aquele que a freqüenta apenas uma vez tem em si tudo o que a cidade contém, tornando-a imutável. A cidade tornar-se-ia, então, o lugar ideal da permanência da informação memorial, ressaltada pela presença da palavra jazigo,local propício de lembranças pois lá estão os antepassados do poeta e por extensão dos habitantes de uma cidade. Em Zora apenas se tem a sensação de saber onde tudo está e da certeza da sua imutabilidade. “Zora tem a propriedade de permanecer na memória ponto por ponto(...) O seu segredo é o modo pelo qual o olhar percorre as figuras que se sucedem como uma partitura musical da qual não se pode modificar ou deslocar nenhuma nota.” Nos versos de Pacífico acima, nota-se a fragmentação do curso narrativo cronológico da vida. A imagem real é vista em pedaços que são captados pelos olhos e rapidamente codificados em palavras, formando um todo. Assim, aquela imagem que parecia cortada, se apresenta na íntegra, ainda que disforme.

Ao apresentar os elementos urbanos que constituem a cidade que ama e viveu, o poeta se revela como um homem saudoso e triste. Embora seu olhar fosse um olhar onisciente, que via a cidade com os olhos no passado, sua visão do real o mantinha intimamente conectado à realidade que o rodeava. Dela era ser integrante, alvo de todas as suas ações enquanto cidade. Era um transeunte, um passageiro, ou seja, um cidadão urbano.

REFERÊNCIAS:

CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Publifolha, 2003.

HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico houaiss. Disponível na Internet. Httpp:// www.houaiss.uol.com.br . Acessado em 14/07/2008.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

RIBEIRO, Pacífico. Meu Canto de amor a Jequié. Salvador: Editora Arpoador, 1988.

ROUANET, Sérgio Paulo. A cidade iluminista. In: SCHIAVO, Cléia e ZETTEL, Jaime (org). Memória, cidade e cultura. Rio de Janeiro: IPHAN, 1997.

SIMÕES, João Gaspar. O mistério da poesia. Coimbra: Imprensa da universidade,1931.



* Artigo apresentado à professora Valéria Lessa Mota como avaliação da disciplina Literatura Brasileira V, no II período letivo de 2007 em julho de 2008.

** Aluno do VI semestre do curso de Letras da Uesb, campus de Jequié. E-mail: paulo.cesar1075@hotmail.com Fone: (73) 3526 3296



[1] Alguns exemplos conhecidos de arminhos enquanto símbolos de pureza incluem um quadro de Leonardo da Vinci “moça com arminho” e um retrato de Isabel I, de Inglaterra, onde a rainha-virgem aparece representada com um arminho no colo.

[2] Todas as citações feitas neste artigo são da Edição 2003 da publifolha.

11 de jul. de 2008

Por onde havia andado não sei. Mas o rosto esquálido, a pele enrugada e um olhar de medo e desconfiança causavam tristeza. as palavras desconexas e os cabelos brancos davam mesmo a impressão de demência. Aquele velho abandonado num ponto de ônibus, realmente causou em mim uma sensação estranha.
Aquela sensação me perseguia, mesmo quando entrei no trabalho. mecanicamente exerci minhas funções mas seu olhar de fogo era como um vigia atento. De repente sou interrompido em minhas cogitações pela voz veludosa de Manuela. Voz firme e sensual como uma canção de jazz.
- Não conseguia entender esse e-mail enviado pela loja Centrix.
- Pede para enviar uma segunda via do pedido pois a original foi extraviada.
- Qual o código que devo digitar o do produto ou da loja? - pergunta-me -
Respondo qualquer coisa querendo ficar sozinho outra vez, mas ela insiste em contar sobre a nova secretaria da diretoria. O perfume que exala do seu corpo é doce tão aveludado quanto a voz. Tento olhar nos olhos dela, mas não consigo sustentar o olhar. A menina perfumada tem um olhar penetrante e misteriosa. A associação é inevitável: "Olhos de ressaca oblíquos e dissimulados".
Um vestido rosa bem claro com alças leves conseguem manter seus belos seios hirtos e firmes imagináveis, mas não visíveis próximo ao meu corpo. Não tenho como me manter atento ao que ela diz, minha imaginação vaga entre a visão do velho abandonado na praça e essa beleza baiana aqui tão próximo.
- Você sabe que ela é formada em administração? pois é, numa dessas faculdades EAD! E o pior usa sempre aquele português pedante dos gramáticos!
E continua descrevendo com todos os detalhes possíveis os defeitos da nova funcionária.
Sua antipatia por certo devia ser causada pela beleza da outra. Não precisava. Sua pele morena, apenas realçava mais a beleza impudica...

6 de jul. de 2008

INTERVALO
Quem te disse ao ouvido esse segredoQue raras deusas têm escutado -Aquele amor cheio de crença e medoQue é verdadeiro só se é segredado?...Quem te disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.Não foi um outro, porque não sabia.Mas quem roçou da testa teu cabeloE te disse ao ouvido o que sentia?Seria alguém, seria?
Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?Foi só qualquer ciúme meu de tiQue o supôs dito, porque o não direi,Que o supôs feito, porque o só fingiEm sonhos que nem sei?
Seja o que for, quem foi que levemente,A teu ouvido vagamente atento,Te falou desse amor em mim presenteMas que não passa do meu pensamentoQue anseia e que não sente?
Foi um desejo que, sem corpo ou boca,A teus ouvidos de eu sonhar-te disseA frase eterna, imerecida e louca -A que as deusas esperam da lediceCom que o Olimpo se apouca.
Fernando Pessoa

ABDICAÇÃO
Toma-me, ó noite eterna, nos teus braçosE chama-me teu filho... eu sou um reique voluntariamente abandoneiO meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,Em mão viris e calmas entreguei;E meu cetro e coroa - eu os deixeiNa antecâmara, feitos em pedaços
Minha cota de malha, tão inútil,Minhas esporas de um tinir tão fútil,Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realeza, corpo e alma,E regressei à noite antiga e calmaComo a paisagem ao morrer do dia.
Fernando Pessoa, 1913

18 de jun. de 2008


"Tudo que é sólido desmancha-se no ar"



Faz frio na cidade sol. O vento sopra incessante sobre as folhas de um verde vivo no quintal. O vidro da janela reflete a tênue luz do dia que se finda pausadamente. A tristeza que invade o meu peito me oprime. Sei que devo chorar mas não consigo. O tempo passa lentamente. Os últimos pardais apressados se rejubilam entre folhas e formigas no chão. Sinto-me um fracasso! Sinto cansado. Sei lá! Minha vida entrou no turbilhão sem fim. Incendiado por esse sentimento de incapacidade, de impossibilidade de mudança! Se ao menos pudesse antever uma sáida já seria o suficiente para entrar na luta.
Lembro-me das tardes solitárias da infância. Brincava sozinho com meus brinquedos. Minha mãe sempre ocupada nos afazeres diários. Meu velho pai na lida para manter casa e familia. Recordo-me do silêncio em cada canto da casa. Sabia de cor o canto dos passarinho de tanto ouvi-los. O estridente canto da Garrincha. O sussurro macio das Lavandeiras, o repicar contínuo dos onipresentes pardais, o triste canto dos canários.
Sentado em frente a porteira do sítio onde morávamos mirava o horizonte sonhando em como seria morar na cidade. Correr pelas ruas, brincar com outras crianças. Subia o morro com agilidade e destreza. Sabia o nome das plantas e ervas... Eu era feliz e sabia! Só não entendia que o tempo é como um automóvel veloz, sem marcha ré. E por que não dizer... sem freio.
O telefone toca insistente. Para que atender? Nada pode mudar meu estado de espírito hoje. Nenhuma notícia boa. Nenhuma voz amiga. Ah! Quem me dera o tempo da esperança...
Vejo sobre a mesinha de cabeceira um livro que terminei de ler no domingo a noite: Breve romance de um sonho, um bom livro bem escrito, com ótimo enredo.Tudo vai bem na vida do dr. Fridolin e de sua mulher, Albertine. Ambos são jovens, belos, prósperos e têm uma filhinha adorável. Pode-se dizer que, na Viena dos anos 1920, eles formam uma família burguesa exemplar. Até que, numa noite, depois de um baile de máscaras e vários goles de champanhe, Albertine decide confessar ao marido uma antiga fantasia erótica. Perturbado pela história secreta de sua mulher, o dr. Fridolin sai no meio da noite para atender a um paciente em estado grave. A partir desse momento, tudo o que parecia dar sustentação ao mundo das personagens começa a entrar numa espécie de vertigem. Rapidamente o dr. Fridolin se vê enredado numa estranha aventura sexual, em que o desejo e o perigo de morte se auto-alimentam. Ao final da narrativa, o leitor fica com a impressão de que a volta à "realidade de todos os dias" não será mais possível - não para as personagens que a vivenciaram.
Eu também conheço minhas limitações e na luta constante do dia-a-dia quase sempre esqueço daquela recomendação básica de schopenhauer:“Viver e sofrer”.


Mas, apesar de todo seu profundo pessimismo, a filosofia de Schopenhauer aponta algumas vias para a suspensão da dor. Num primeiro momento, o caminho para a supressão da dor encontra-se na contemplação artística. A contemplação desinteressada das idéias seria um ato de intuição artística e permitiria a contemplação da vontade em si mesma, o que, por sua vez, conduziria ao domínio da própria vontade. Na arte, a relação entre a vontade e a representação inverte-se, a inteligência passa a uma posição superior e assiste à história de sua própria vontade; em outros termos, a inteligência deixa de ser atriz para ser espectadora. A atividade artística revelaria as idéias eternas através de diversos graus, passando sucessivamente pela arquitetura, escultura, pintura, poesia lírica, poesia trágica, e, finalmente, pela música. Em Schopenhauer, pela primeira vez na história da filosofia, a música ocupa o primeiro lugar entre todas as artes. Liberta de toda referência específica aos diversos objetos da vontade, a música poderia exprimir a Vontade em sua essência geral e indiferenciada, constituindo um meio capaz de propor a libertação do homem, em face dos diferentes aspectos assumidos pela Vontade.
Chega de filosofia, vou tomar minha dose noturna de caféina enquanto ouço Enya tristemente cansado...

4 de mai. de 2008


Desperte o interrese do seus alunos em poesia
Professores relatam como usam materiais de apoio da Olimpíada de Língua Portuguesa para despertar o interesse de seus estudantes pela poesia
A aplicação em sala de aula do material de apoio, que será distribuído às escolas públicas de todo o país, para despertar o interesse dos estudantes pela poesia, pode esbarrar no desequilíbrio de repertório nas salas de aula. A apreciação de poemas escritos pode ser vista como impenetrável a quem, por exemplo, teve alfabetização capenga. Professores que sentem tal dificuldade na pele aprendem na sala de aula a contornar o problema de forma muitas vezes criativa. Chegam, por exemplo, a aprimorar as orientações contidas nos materiais de apoio do projeto que inspirou a Olimpíada de Língua Portuguesa.
Foi com a ajuda de cantadores nordestinos que as professoras Joana D'Arc Pereira da Silva, de Crato (CE), e Maria Josélia Pereira de Araújo, de Pesqueira (PE), enriqueceram o conteúdo de orientação ao professor do concurso de redação Escrevendo o Futuro, realizado pela Fundação Itaú Social desde 2002 e que agora ganha escala ao inspirar a iniciativa do MEC, a primeira Olimpíada de Língua Portuguesa.
Este ano, o projeto das duas não só integra a primeira maratona do gênero no país como recebe a chancela do Ministério da Educação.
Em 2002, Josélia tomou contato pela primeira vez com o projeto do Itaú Social. Ela lecionava para alunos do 6º ano (antiga 5ª série), além das classes do 4º ano, na Escola Intermediária Maria Aliete de Freitas Macedo, em Pesqueira. A missão de ensinar o gênero poesia foi dura, já que a turma sofria com falha anterior: problemas graves de alfabetização.
Foi aí que ela teve a idéia de tornar a poesia mais próxima da realidade daqueles meninos por meio do canto entoado na região. Chamou um poeta local para explicar as várias estruturas possíveis de rimas e demonstrar que o gênero não era tão difícil assim de ser trabalhado.
- Antes eu tinha dificuldade de estimular a produção deles. Com o projeto, a evolução de todos foi visível - explica.
Três anos depois, foi a vez de Joana D'Arc, hoje com 27 anos de magistério, ter iniciativa similar e chamar artistas da cidade para sua sala de aula. A atividade foi tão bem absorvida pelos alunos que levou à classificação (em segundo lugar no país) da aluna Camila Felix da Silva, aluna da escola de Ensino Fundamental Estado da Paraíba, na qual a professora leciona.
- Além de facilitar o ensino, chamar os artistas locais para a sala de aula é uma forma de dar credibilidade a eles - explica.
Fora da realidadeAssim como Josélia, outros professores também sentiram os percalços da alfabetização falha. No município de Franco da Rocha (SP), o professor Luiz Cássio Bordim, conhecido por Gijio, descobriu logo nas primeiras aulas com o material de apoio do Escrevendo o Futuro que seus alunos da E. E. Zilton Bicudo Professor não tinham consciência do conceito de poesia.
- Estamos aqui em um bairro carente, cheio de necessidades e, apesar de o tema ser "O lugar onde vivo", os alunos não conseguiam transpor isso para o papel. As poesias criadas nesse primeiro momento não refletiam a realidade deles - conta.
Com o apoio do professor e depois de muito treino escrito, os estudantes entenderam que uma poesia pode retratar, sim, as adversidades do cotidiano, e não só amizade, amor e beleza, como acreditava a maioria, recorda o professor.
Para estimular a produção, Gijio fez questão de usar poemas produzidos na escola para exemplificar pontos positivos da criação, como coerência, encadeamento adequado de rimas e criatividade.
- No começo, eles ficavam assustados com os poemas consagrados. Aí tive a idéia de usar o material produzido por eles próprios - conta.
O empenho do professor garantiu a classificação da aluna Yasmim Conceição Alves, em 2006, no Escrevendo o Futuro. A poesia da aluna, que ainda estuda na Zilton Bicudo, foi a campeã no Estado de São Paulo e ficou entre as sete melhores no país.
Professor no banco da escola O material do concurso estimulou muitos professores a refletirem sobre o seu conteúdo programático de aulas. Nas oficinas de formação dos docentes, muitos perceberam que deixavam a desejar e poderiam aprofundar-se no tema poesia.
- Com o material nas mãos, percebi que estava ensinando da maneira errada. Também percebi que minha bagagem era limitada. O projeto abriu novas possibilidades de ensino - conta a professora Maria Josélia, de Pesqueira.
- Antes do Escrevendo o Futuro, acho que nem eu mesmo gostava de poesia, quanto mais trabalhar com ela em sala de aula - conta Gijio, de Franco da Rocha.
Hoje, o professor planeja, para o futuro, conseguir patrocínio para reunir em livros, todo ano, as poesias produzidas pelos alunos. O objetivo é ter um registro que poderá demonstrar a evolução do bairro a cada livro.
Já Joana D'Arc decidiu expandir a experiência e, ao lado de outra professora de Crato e com o apoio da secretaria Estadual de Educação do Ceará, trabalha a formação de 150 professores da rede.

30 de abr. de 2008


Mas afinal o que é solidão? No dicionário está definido como está só ou o estado de daquele que se sente só. A solidão é um estado interno, é principalmente certo sentimento de que algo ou alguém está faltando. Uma sensação de separatividade e desconexão com algo ainda inconsciente, sendo que numa visão espiritual seja a separação de Deus.
Atualmente, muitas pessoas optam por moraremm só e que apresentam um a vida bastante independente. Não podemos dizer que são pessoas solitárias, desde que elas se sintam em paz consigo mesmo. Entretanto, o que se mostra é que o sentimento de solidão pode estar presente em qualquer lugar ou situação. A pessoa pode sentir solidão durante uma festa com os amigos, no trabalho e até mesmo dentro de casa com a própria família. Para mim a pior solidão é aquele que sinto entre gente conhecido, é o não poder me enturmar, a solidão que a timidez traz para dentro de mim.
Cada ser humano vem sozinho ao mundo, atravessa pela vida como uma pessoa separada e morre finalmente sozinho. As fases de passagem pela vida física e para além dela trazem muitas experiências, onde tudo é passageiro e impermanente. As situações, os encontros e os fatos da vida surgem, permanecem por algum tempo e se vão.
Portanto, procuro refletir quando estou me sentido solidão. Com o que ainda está resistindo no momento atual? Existe algo que precis partir e eu ainda não percebi ou não aceitei essa possibilidade?
A idéia da separação e do estar só é apenas uma ilusão, pois nada se vai totalmente e nada está separado. Ficará sempre a lembrança no qual contém toda a experiência e vivência ocorrida o que é muito rico.
Perceber quandolestá se sentindo só é muito importante para o meu crescimento. Utilizar-me desse sentimento como uma alavanca para assumir plenamente a minha vida, para agir a partir disso, fortalecer a minha base e seguir em frente, manifestando a minhaa própria força dentro dos meus objetivos.
objetivo: Tenha a sua própria companhia, dê atenção, escute, e acolha aquilo que você é e manifesta. Seja o seu melhor amigo. A partir de então, você perceberá que a solidão deixará de existir naturalmente.

7 de abr. de 2008


Nostalgia. Sempre acompanhada pela solidão. Amiga da noite e da lua impassível. Por que fugir de si mesma sabedora de que sempre se encontrará num circulo sem fim. Falsas amizades. Esperanças falhas. E a certeza sobre todas as horas. Não há ninguém. Namorados muitos, mas todos em busca do mesmo. Prazer e dor. Dicotomia indisfarçável do nada ao nada.
Sentada agora neste café noturno numa cidade grande. Realizada? não. Mas o que deseja na verdade? qual o seu obejtivo de vida? Tudo o que quer é uma pessoa amiga paa conversar! Amiga! alguma vez já teve uma amizade verdadeira? Dificil resposta. Tantas vezes foi traída... outras traidora e a sufocante angústia de que sempre caminhou em duas direções opostas. Quem queria ser? quem de fato era. A essência da vida era a inquestionável solidão. Nunca conseguiu se livrar dessa certeza mesmo em meio a muita gente.
Escolheu seus proprios caminhos e os seguiu. Escolheu sua carreira e lutou para galgar espaços numa área em que ser mulher era um obstáculo. Contudo, não era de desistir, nunca se dobraria diante de qualquer dificuldade. Lutar sempre, vencer ás vezes. Mas a inquestionável pergunta: para que? O que fazer com a liberdade de escolha? Eram tantas as possibilidades que a independência financeira havia lhe proporcionado... No entanto, entre os muitos caminhos por onde se arriscou e se atirou de corpo inteiro, acabou enfim arcando com os ônus da indesejável solidão. Hábitos regulares ou irregulares. Fuga e compensação. Disciplinada ou não. Tanto faz se a cada esquina continua a perene surpresa: não há nada nem ninguém para encontrar. Faz um gesto autômato para pedir a conta. Sai apressadamente acompanhada pela própria sombra ouvindo a orquestra ritmada dos sapatos sobre a calçada insólita. Sabe o que há espera... Um colchão macio e confortavelmente vazio...

2 de abr. de 2008

Terça-feira, १
NEGRO OU PRETO: COMO SE DECLARAR O AFRICANO NO BRASIL

Por Walter Passos. Teólogo, Historiador, Pan-africanista, Afrocentrista e Presidente do CNNC – Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos. Pseudônimo: Kefing Foluke.Com o avançar da luta contra a discriminação racial no Brasil, grupos se auto-declaram negros ou pretos. Alguns dizem: “preto é cor e negro é raça”. Ninguém diz que é da raça preta. Sabemos que há uma só raça, que é a humana, e ela foi criada por Deus no Jardim do Édem, segundo os criacionistas. Conforme os estudos históricos, hermenêuticos e exegéticos, os homens foram criados da cor da lama preta. Os evolucionistas acreditam que houve uma evolução do ser humano; e os fósseis mais antigos estão na África. Por conseguinte, toda a humanidade surgiu nesta terra abençoada, com bastante melanina, da cor preta.Os europeus, com as suas línguas, renomearam locais e civilizações. Como exemplo, temos a palavra Mesopotâmia, que na língua grega significa "entre rios" (meso - pótamos). Sabemos que a Grécia começou a formar-se provavelmente entre 2.000 a.C a 1800 a. C . As civilizações que estavam na Mesopotâmia já existiam há milhares de anos e chamavam essa região “terra dos étiopes”.Não podemos perder o foco da discussão. Essas colocações acima são apenas uma chamada à reflexão sobre a palavra negro e a palavra preto. E já vos deixo estas perguntas:Qual civilização européia denominou os habitantes da África de negro ou preto?Como devemos nos auto-declarar, sem um conhecimento da história, etnolingüística e da semântica?O que está por detrás da palavra negro?Qual é o seu verdadeiro significado?Como se auto-declaravam, nos documentos, os antigos egípcios?O que significa nigger e black na língua inglesa?Não sendo eu um etnolingüista, este texto é uma provocação para que as pretas e pretos lingüistas emitam opiniões e, assim, trabalhemos para a (des)construção da dominação lingüística que paira sobre o nosso povo. Sendo esse texto bem pessoal, o leitor observa a minha preferência pelo termo preto e não negro. Acredito que todo escrito traz implícita uma dose de parcialidade. Também é fato que todos os pan-africanistas que conheço se auto-declaram africanos no Brasil e pretos na diáspora.A palavra negro vem do latim niger e nigur, que se originou do grego necro, e significa “morte”. Você pode se lembrar de quantas palavras do radical grego necro temos na língua portuguesa? A palavra necromancia, que significa adivinhação através dos mortos, se aplica como “magia negra”. Sem falar de necrotério. Uau! Só coisa de morte. E aí começam os problemas. Foram os romanos quem usaram esta palavra, que em algumas línguas neolatinas se tornou: nègre – francês, negro – espanhol, negro – português, nero – italiano.A língua é usada para dominar, manipular, distorcer. A língua é uma das formas mais eficazes de o explorador racista dominar um povo, e a língua portuguesa é oriunda de nações escravizadoras: os gregos e os romanos.Na África, até a chegada dos europeus, não havia “negros” e “pretos”, mas africanos de múltiplas e variadas tradições culturais. Os africanos, de múltiplas cores, tornaram-se “negros” apenas em relação aos europeus dominadores. Assim escreveram Maestri e Carboni, em A Linguagem escravizada.É interessante notar que a antropologia européia cria o vocábulo negro para “estudar e classificar” as civilizações invadidas, especialmente da África. A antropologia é uma das mais poderosas armas do europeu para mistificar e manipular as civilizações invadidas e dominadas.Conforme os escritos do afrocentrista Cheik Anta Diop, os egípcios se consideravam povos da pele “preta como o carvão” e tinham apenas um termo para designar a si mesmos: kmt "os pretos" (literalmente). O adjetivo kmt significa rigorosamente "preto'', ou, pelo menos, “homens pretos”. O termo é um coletivo que descrevia, portanto, o conjunto do povo do Egito faraônico como um povo preto. E eles foram uma das mais antigas civilizações da África e do planeta.A nossa conversa está ficando muito longa e, como disse anteriormente, estamos começando a discussão.Ser negro ou ser preto? Ou ser africano na diáspora?Como você leitor (a) se declara?Esse espaço está aberto para que possamos denegrir as palavras com um empretecimento do nosso ser.
Postado por CNNC/BA

9 de mar. de 2008

The theatre of cruelty
Last Updated: 12:01am GMT 01/03/2008
Nicholas Shakespeare reviews Blood & Rage: a Cultural History of Terrorism by Michael Burleigh
We live in an age of cultural disorder, where to point a finger at the absurdities of radical Islam is to be branded a racist, a fascist or a bigot. This timely and important book would probably not have been published 10 years ago, but its relevance is bracing.
Michael Burleigh's theme: the moral squalor, intellectual poverty and psychotic nature of terrorist organisations, from the Fenians of the mid-19th century to today's jihadists - the latter group, especially, being composed of unstable males of conspicuously limited abilities and imagination, and yet who pose "an existential threat to the whole of civilisation" with their crusade to realise "a world that almost nobody wants", all in the hope of an afterlife featuring 72 virgins and rivers foaming with honey and beer.
Trail of destruction: firefighters survey the wreckage of the World Trade Center
A winner of the 2001 Samuel Johnson Prize, Burleigh is no racist, fascist or bigot. He is a clear-eyed historian in the impatient, sceptical mould of Richard Dawkins. He sets his targets in context, like ducks in a row, and then pulverises them with an orderly and ceaseless barrage of facts, even as he acknowledges that "facts do not seem to inhibit emotion and prejudice".
His book does not aim to be comprehensive - regrettably, he omits any analysis of Latin American, Armenian or Malayan terrorists - but shows a thorough acquaintance with the arenas in which it does deal, namely Ireland, Russia, Italy, Spain, Germany and the Middle East.
Burleigh has read and travelled enough to express an impeccable contempt for the "theoretical gobbledygook" of the IRA or the "stunningly tedious" ideology of the New Left, while sharing the bemusement of the kidnapped German industrialist Hans Schleyer "at the incredible ignorance his captors [the Red Army Faction] demonstrated about the higher workings of the German economy".
The Baader-Meinhof's ignorance of politics was almost as dangerous as its co-founder's ignorance of ballistics: Ulrike Meinhof, a former modish journalist, once pulled the ring of a hand grenade "without grasping the point that she was supposed to throw the already fizzing object".
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Meinhof's co-revolutionary Andreas Baader embodies many of the resentful and narcissistic traits that Burleigh identifies in his subjects: sour, lazy nobodies, ugly, of febrile imagination and indifferent talent, who can only become somebody by blowing others, inevitably persons more talented and intelligent, up.
Not for nothing, as it were, did the assassin of the US President William McKinley in 1901 choose as his alias "Fred Nobody".
Terrorism for Baader, as for other attention-seekers like Osama bin Laden, is theatre: a chance to direct your own production and to star in it after the manner of your favourite gangster films, among which The Battle of Algiers and The Wild Bunch ("one Red Brigade member had seen it 20 times") tend to feature prominently.
Baader borrowed a 16mm camera to record his arson attacks, dressed up in an array of wigs, and, while driving, stoned, to liberate mankind, liked to pat his face with powder in the mirror of his Mercedes. His bien-pensant apologist, Jean-Paul Sartre, said after meeting him, though not in public: "What an arsehole, this Baader."
Burleigh parades an arsenal of facts, and the cumulative effect is undeniable. Only with his claim that the tactic of terror "never amounted to more than an irritant", and was not crucial in forcing colonial powers to leave Palestine and Algeria, not to mention acceding to power in Ireland and South Africa, do I depart from his thesis.
He prefers to see the PLO, the ANC and Sinn Fein as flapping their armed wings, but never really taking off. Yet look how many "terrorists" did go on to lead their people: Begin, Shamir, Mandela, Tambo, Boumédienne, Arafat, Adams. Spain's present government was swept to power in direct response to the Madrid bombings.
Burleigh shares in his prose style something of the pitiless monotone with which his targets engage with the world. He finds little room for levity in over 500 pages, except where his keenness to be up to date gets the better of him. He has his finger on the pulse, but his foot on the pedal.
Blood & Rage is in all sorts of ways an outstanding book; it is also fuelled by the manic energy and focus of someone accelerating a truckload of intellectual high-explosives into the gates of a "stunningly" credulous soft-liberal establishment, composed of "colluding" human rights lawyers and "celebrity useful idiots" such as Tariq Ali, whom Burleigh witheringly chastises for having "progressively marginalised high intellectual endeavour" while at the same time conspiring to convert cosmopolitan London into the Islamic haven of "Londonistan".
A member of Italy's Red Brigades conceded that ideology was "a murderous drug, worse than heroin". Maybe Burleigh's biggest achievement is persuasively to argue that no ideology is worse than radical Islam - itself motivated by "sheer racial hatred" - which exploits Europe's tradition of freedom of worship (and welfare state) to curtail our freedom of speech. Its leaders are people who know their human rights, but not anyone else's.
Al Qa'eda's chief military spokesman in Europe puts it best: "You love life and we love death." If there are no flies on Burleigh, there are plenty on the moribund dogmas of those he dissects.

4 de fev. de 2008

HÓRUS
Hórus, mítico soberano do Egipto, desdobra as suas divinas asas de falcão sob a cabeça dos faraós, não somente meros protegidos, mas, na realidade, a própria incarnação do deus do céu. Pois não era ele o deus protector da monarquia faraónica, do Egipto unido sob um só faraó, regente do Alto e do Baixo Egipto? Com efeito, desde o florescer da época história, que o faraó proclamava que neste deus refulgia o seu ka (poder vital), na ânsia de legitimar a sua soberania, não sendo pois inusitado que, a cerca de 3000 a. C., o primeiro dos cinco nomes da titularia real fosse exactamente “o nome de Hórus”. No panteão egípcio, diversas são as deidades que se manifestam sob a forma de um falcão. Hórus, detentor de uma personalidade complexa e intrincada, surge como a mais célebre de todas elas. Mas quem era este deus, em cujas asas se reinventava o poder criador dos faraós? Antes de mais, Hórus representa um deus celeste, regente dos céus e dos astros neles semeados, cuja identidade é produto de uma longa evolução, no decorrer da qual Hórus assimila as personalidades de múltiplas divindades. Originalmente, Hórus era um deus local de Sam- Behet (Tell el- Balahun) no Delta, Baixo Egipto. O seu nome, Hor, pode traduzir-se como “O Elevado”, “O Afastado”, ou “O Longínquo”. Todavia, o decorrer dos anos facultou a extensão do seu culto, pelo que num ápice o deus tornou-se patrono de diversas províncias do Alto e do Baixo Egipto, acabando mesmo por usurpar a identidade e o poder das deidades locais, como, por exemplo, Sopedu (em zonas orientais do Delta) e Khentekthai (no Delta Central). Finalmente, integra a cosmogonia de Heliópolis enquanto filho de Ísis e Osíris, englobando díspares divindades cuja ligação remonta a este parentesco. O Hórus do mito osírico surge como um homem com cabeça de falcão que, à semelhança de seu pai, ostenta a coroa do Alto e do Baixo Egipto. É igualmente como membro desta tríade que Hórus saboreia o expoente máximo da sua popularidade, sendo venerado em todos os locais onde se prestava culto aos seus pais. A Lenda de Osíris revela-nos que, após a celestial concepção de Hórus, benção da magia que facultou a Ísis o apanágio de fundir-se a seu marido defunto em núpcias divinas, a deusa, receando represálias por parte de Seth, evoca a protecção de Ré- Atum, na esperança de salvaguardar a vida que florescia dentro de si. Receptivo às preces de Ísis, o deus solar velou por ela até ao tão esperado nascimento. Quando este sucedeu, a voz de Hórus inebriou então os céus: “ Eu sou Hórus, o grande falcão. O meu lugar está longe do de Seth, inimigo de meu pai Osíris. Atingi os caminhos da eternidade e da luz. Levanto voo graças ao meu impulso. Nenhum deus pode realizar aquilo que eu realizei. Em breve partirei em guerra contra o inimigo de meu pai Osíris, calcá-lo-ei sob as minhas sandálias com o nome de Furioso... Porque eu sou Hórus, cujo lugar está longe dos deuses e dos homens. Sou Hórus, o filho de Ísis.” Temendo que Seth abraçasse a resolução de atentar contra a vida de seu filho recém- nascido, Ísis refugiou-se então na ilha flutuante de Khemis, nos pântanos perto de Buto, circunstância que concedeu a Hórus o epíteto de Hor- heri- uadj, ou seja, “Hó

26 de jan. de 2008

Didática, Professor! Didática!

No processo ensino-aprendizagem, em qualquer contexto em que se esteja inserido, é necessário que se conheça as categorias que integram este processo como elementos fundamentais para um melhor aproveitamento da aprendizagem.
A pedagogia, enquanto ciência específica da educação, vem, cada vez mais, perdendo sua dimensão de ciência e sua importância nos procedimentos de sala de aula. Hoje, qualquer corrente da ciência propõe-se a emitir opiniões sobre questões específicas da prática pedagógica. No processo de facilitação da aquisição do conhecimento é básico o manejo adequado da forma e/ou dos procedimentos utilizados na transformação do saber. É necessário ter clareza sobre o contexto teórico do qual partimos, já que, no mundo moderno, os educadores, de uma forma geral, vêm brincando com o processo ensino-aprendizagem, usando técnicas de forma errada ou mal compreendidas. Assim, um professor de matemática, que teve toda sua formação voltada para a ciência matemática, coloca-se na posição de profundo conhecedor de técnicas de transmissão de conhecimentos, sem se preocupar com a verdadeira função de fazer com que os alunos aprendam. Citamos a matemática como exemplo, mas outros campos da ciência poderiam servir como modelo.
Pode ser que quem esteja lendo este texto há de dizer: " - Mas o professor de matemática, assim como os professores de todas as matérias, devem ter tido a matéria de Didática no seu curso de licenciatura." É verdade. Só que acreditamos que o curso ministrado a eles, é exercido por um professor de Didática que, ele mesmo, não se preocupa com ela na sala de aula, no momento de transmissão de conhecimentos. Para sustentar tal afirmação convocamos os alunos e ex-alunos da matéria de Didática para testemunharem sobre a qualidade da maioria destas aulas. E a realidade nos mostra que, para piorar a situação, normalmente são os piores professores. São aqueles que estão começando a lecionar. Como se a Didática fosse uma matéria menor. Ou seja, uma matéria para principiantes da profissão de professor na área de Educação.
Historicamente o professor, como detentor de um inegável poder, aprendeu a responsabilizar seus alunos pelo fracasso do processo de ensino/aprendizagem. Nesta condição, quando o aluno não aprende, a culpa é sempre do aluno, nunca do professor que é sábio e autoridade na matéria lecionada. Nós, educadores de uma forma geral, aceitamos a idéia de que a responsabilidade da aprendizagem da turma nunca é do professor. Se um grupo de alunos não obtém rendimento satisfatório é porque são relapsos e não estudaram o suficiente para serem aprovados. Existem casos em que a metade da turma é reprovada e isso é encarado com toda a naturalidade pela comunidade escolar. Quando muito, dizem que o professor que reprova muitos alunos é "durão". Alguns professores sentem-se, inclusive, orgulhosos desta condição.
Neste sentido, não é mais o professor que detém a responsabilidade profissional de fazer com que o aluno, objeto de seu trabalho, aprenda. Ao contrário, é o aluno que passa a ter a responsabilidade de aprender. Resumindo: se o aluno aprende, isto se deve, de fato, a competência do professor; se o aluno não aprende, o professor continua atestando sua competência, porque ele ensinou mas os alunos não aprenderam.
Isto perpassa pela consciência dos professores, de uma maneira geral. O espírito de corpo do professorado não permite sequer pensar de maneira diferente. Não conseguimos perceber nem mesmo que esta é nossa fundamental tarefa profissional. Ou seja, fazer com que os alunos aprendam. O trabalho do educador consiste em transmitir conhecimentos de maneira eficaz, assim como o médico tem por tarefa resolver o problema de saúde de seu cliente.
A profissão de educador, neste sentido, perde totalmente sua seriedade e responsabilidade profissional. O professor não se apercebe da responsabilidade pelo resultado de seu trabalho, enquanto em outras profissões ela é absoluta e não se pode pensar de maneira diferente. No caso da medicina, o médico não pode sequer admitir o erro de diagnóstico. O de tratamento, então, nem pensar. Na engenharia a dimensão da responsabilidade é a mesma. Já imaginaram um engenheiro projetar sem pensar nos resultados de seu trabalho? Lembrem do resultado de uma ação irresponsável de um engenheiro no caso dos edifícios Palace I e II, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. E assim é para o arquiteto, para o advogado, para o químico, para o farmacêutico, para o dentista, para o pintor de paredes, para o motorista do ônibus, para a empregada doméstica, para o datilógrafo, para o ..., mas não é para o professor. Para este, o sentimento predominante é uma espécie de aprendeu, aprendeu; não aprendeu... azar.
A educação talvez seja a única atividade profissional em que o trabalhador pode não se preocupar com a responsabilidade pelo resultado de seu trabalho. No caso da educação, isto é um problema a mais para o usuário (aluno!). Ou seja, os usuários (alunos) de uma técnica específica, exercida por profissionais (professores) que deveriam ter se preparado para executá-la, são exatamente os responsabilizados pelo fracasso dela. Enfatizamos apenas que, mesmo que isto não seja percebido pela maioria dos professores, a responsabilidade pedagógica é intrínseca a dinâmica da profissão.
Voltando ao exemplo da medicina, é como se o paciente, que morresse por um erro do médico, fosse o culpado pela sua própria morte; não colaborou com a técnica empregada pelo médico e, por pura pirraça, morreu. Na educação a "morte" se dá pela má formação recebida e o mal emprego das técnicas aprendidas. E no caso da educação a culpa da "morte" é sempre do paciente (aliás, esse termo paciente também deveria ser usado para os alunos, porque, na maioria das vezes ... haja paciência!).
Existe na profissão de educador uma espécie de preguiça profissional, em que não há interesse de se efetivar um esforço para se superar as reais dificuldades enfrentadas no processo educativo. Assim, as desculpas são inúmeras: a principal é de que os alunos não se interessam em aprender, por mais que os professores tentem; depois vem a questão salarial; a terrível filosofia do ganha pouco, produz pouco; a falta de investimento em materiais didáticos pela instituição costuma servir de desculpa também; tem ainda a justificativa da quantidade exagerada de alunos; a falta de dinheiro para comprar livros e fazer cursos de aperfeiçoamento; diretor autoritário que impõe regras inexeqüíveis; colegas que prepararam mal seus alunos nas turmas anteriores; etc.; etc. e etc..
É preciso que se estipulem pesquisas que tentem analisar o desempenho dos professores em sala de aula. Ou seja, esclarecer a eficácia do exercício profissional de uma determinada categoria. Trata-se de saber se o trabalho exercido pelos professores vem atingindo seu objetivo de provocar mudança no saber do aluno e se esse saber é utilizado na vida prática de cada um.
Li, não me lembro onde, uma fábula que dizia, mais ou menos, isso:
"Era uma vez uma tribo pré-histórica que se alimentava de carne de tigres de dentes de sabre. A educação nesta tribo baseava-se em ensinar a caçar tigres de dentes de sabre, porque disto dependia a sobrevivência de todos. Os mais velhos eram os responsáveis pela tarefa educativa. Passado algum tempo os tigres de dentes de sabre extinguiram-se. Criou-se um impasse: o apego à tradição dos mais velhos exigia que se continuasse a ensinar a caçar tigres de dentes de sabre; os mais jovens clamavam por uma reforma no ensino. O impasse perdurou por muito tempo. Mais precisamente até um dia que, por falta de alimento, a tribo extinguiu-se também."
Esta fábula vem bem a calhar com o nosso processo de educação.
José Luiz de Paiva Bello