28 de abr. de 2011

“Deus nos livre de um Brasil evangélico”

O pastor herege


“Deus nos livre de um Brasil evangélico”, diz o religioso Ricardo Gondim, crítico dos movimentos neopentecostais. Por Gerson Freitas Jr. Foto: Olga Vlahou

“Deus nos livre de um Brasil evangélico.” Quem afirma é um pastor, o cearense Ricardo Gondim. Segundo ele, o movimento neopentecostal se expande com um projeto de poder e imposição de valores, mas em seu crescimento estão as raízes da própria decadência. Os evangélicos, diz Gondim, absorvem cada vez mais elementos do perfil religioso típico dos brasileiros, embora tendam a recrudescer em questões como o aborto e os direitos homossexuais.

Aos 57 anos, pastor há 34, Gondim é líder da Igreja Betesda e mestre em teologia pela Universidade Metodista. E tornou-se um dos mais populares críticos do mainstream evangélico, o que o transformou em alvo. “Sou o herege da vez”,  diz na entrevista a seguir.

CartaCapitalOs evangélicos tiveram papel importante nas últimas eleições. O Brasil está se tornando um país mais influenciável pelo discurso desse movimento?


Ricardo Gondim: Sim, mesmo porque, é notório o crescimento do número de evangélicos. Mas é importante fazer uma ponderação qualitativa. Quanto mais cresce, mais o movimento evangélico também se deixa influenciar. O rigor doutrinário e os valores típicos dos pequenos grupos se dispersam, e os evangélicos ficam mais próximos do perfil religioso típico do brasileiro.

CC: Como o senhor define esse perfil?


RG: Extremamente eclético e ecumênico. Pela primeira vez, temos evangélicos que pertencem também a comunidades católicas ou espíritas. Já se fala em um “evangelicalismo popular”, nos moldes do catolicismo popular, e em evangélicos não praticantes, o que não existia até pouco tempo atrás. O movimento cresce, mas perde força. E por isso tem de eleger alguns temas que lhe assegurem uma identidade. Nos Estados Unidos, a igreja se apega a três assuntos: aborto, homossexualidade e a influência islâmica no mundo. No Brasil, não é diferente. Existe um conservadorismo extremo nessas áreas, mas um relaxamento em outras. Há aberrações éticas enormes.

CC: O senhor escreveu um artigo intitulado “Deus nos Livre de um Brasil Evangélico”. Por que um pastor evangélico afirma isso?


RG: Porque esse projeto impõe não só a espiritualidade, mas toda a cultura, estética e cosmovisão do mundo evangélico, o que não é de nenhum modo desejável. Seria a talebanização do Brasil. Precisamos da diversidade cultural e religiosa. O movimento evangélico se expande com a proposta de ser a maioria, para poder cada vez mais definir o rumo das eleições e, quem sabe, escolher o presidente da República. Isso fica muito claro no projeto da Igreja Universal. O objetivo de ter o pastor no Congresso, nas instâncias de poder, é o de facilitar a expansão da igreja. E, nesse sentido, o movimento é maquiavélico. Se é para salvar o Brasil da perdição, os fins justificam os meios.

CC: O movimento americano é a grande inspiração para os evangélicos no Brasil?


RG: O movimento brasileiro é filho direto do fundamentalismo norte-americano. Os Estados Unidos exportam seu american way oflife de várias maneiras, e a igreja evangélica é uma das principais. As lideranças daqui leem basicamente os autores norte-americanos e neles buscam toda a sua espiritualidade, teologia e normatização comportamental. A igreja americana é pragmática, gerencial, o que é muito próprio daquela cultura. Funciona como uma agência prestadora de serviços religiosos, de cura, libertação, prosperidade financeira. Em um país como o Brasil, onde quase todos nascem católicos, a igreja evangélica precisa ser extremamente ágil, pragmática e oferecer resultados para se impor. É uma lógica individualista e antiética. Um ensino muito comum nas igrejas é a de que Deus abre portas de emprego para os fiéis. Eu ensino minha comunidade a se desvincular dessa linguagem. Nós nos revoltamos quando ouvimos que algum político abriu uma porta para o apadrinhado. Por que seria diferente com Deus?

CC: O senhor afirma que a igreja evangélica brasileira está em decadência, mas o movimento continua a crescer.


RG: Uma igreja que, para se sustentar, precisa de campanhas cada vez mais mirabolantes, um discurso cada vez mais histriônico e promessas cada vez mais absurdas está em decadência. Se para ter a sua adesão eu preciso apelar a valores cada vez mais primitivos e sensoriais e produzir o medo do mundo mágico, transcendental, então a minha mensagem está fragilizada.

CC: Pode-se dizer o mesmo do movimento norte-americano?


RG: Muitos dizem que sim, apesar dos números. Há um entusiasmo crescente dos mesmos, mas uma rejeição cada vez maior dos que estão de fora. Hoje, nos Estados Unidos, uma pessoa que não tenha sido criada no meio e que tenha um mínimo de senso crítico nunca vai se aproximar dessa igreja, associada ao Bush, à intolerância em todos os sentidos, ao Tea Party, à guerra.

CC: O senhor é a favor da união civil entre homossexuais?


RG: Sou a favor. O Brasil é um país laico. Minhas convicções de fé não podem influenciar, tampouco atropelar o direito de outros. Temos de respeitar as necessidades e aspirações que surgem a partir de outra realidade social. A comunidade gay aspira por relacionamentos juridicamente estáveis. A nação tem de considerar essa demanda. E a igreja deve entender que nem todas as relações homossensuais são promíscuas. Tenho minhas posições contra a promiscuidade, que considero ruim para as relações humanas, mas isso não tem uma relação estreita com a homossexualidade ou heterossexualidade.

CC: O senhor enfrenta muita oposição de seus pares?


RG:  Muita! Fui eleito o herege da vez. Entre outras coisas, porque advogo a tese de que a teologia de um Deus títere, controlador da história, não cabe mais. Pode ter cabido na era medieval, mas não hoje. O Deus em que creio não controla, mas ama. É incompatível a existência de um Deus controlador com a liberdade humana. Se Deus é bom e onipotente, e coisas ruins acontecem, então há algo errado com esse pressuposto. Minha resposta é que Deus não está no controle. A favela, o córrego poluído, a tragédia, a guerra, não têm nada a ver com Deus. Concordo muito com Simone Weil, uma judia convertida ao catolicismo durante a Segunda Guerra Mundial, quando diz que o mundo só é possível pela ausência de Deus. Vivemos como se Deus não existisse, porque só assim nos tornamos cidadãos responsáveis, nos humanizamos, lutamos pela vida, pelo bem. A visão de Deus como um pai todo-poderoso, que vai me proteger, poupar, socorrer e abrir portas é infantilizadora da vida.

CC: Mas os movimentos cristãos foram sempre na direção oposta.


RG: Não necessariamente. Para alguns autores, a decadência do protestantismo na Europa não é, verdadeiramente, uma decadência, mas o cumprimento de seus objetivos: igrejas vazias e cidadãos cada vez mais cidadãos, mais preocupados com a questão dos direitos humanos, do bom trato da vida e do meio ambiente.

Fonte Carta Capital

21 de abr. de 2011

SIMÃO - O NEGRO QUE CARREGOU A CRUZ DE CRISTO


SIMÃO CIRINEU


Os últimos cinco dias que Jesus Cristo passou vivo foram emocionantes, aconteceu a “Paixão de Cristo”, celebrada todos os anos pelos cristãos, um episódio trágico até hoje representado no mundo inteiro pelas comunidades cristãs. Neste texto vou levantar algumas questões que como negro cristão acredito ser interessante na Paixão de Cristo. Uma questão a qual considero muito relevante foi a participação de Simão Cireneu. Lendo os textos bíblicos dos três evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) que narram o episódio, quero fazer algumas reflexões que considero importante para nós negros Cristãos. Simão vinha do campo o soldado romano o ver e logo o obriga a carregar a cruz, ele resisti mais é forçado. Depois que ele aceita levar a cruz se torna um aliado de Cristo, no percurso Simão começa a sofrer também ao ver o sofrimento de Jesus, um Simão já envolvido com Cristo.

Analisando os textos bíblicos procuramos entender o significado de Deus ter escolhido um Negro para ajudar o seu Filho nas horas mais difícil da sua vida. O texto bíblico afirma que Simão Cireneu foi “Forçado” a carregar a cruz. Será que dentro as multidões que seguia a Jesus e até mesmo entre os seus discípulos não havia nenhum voluntário pronto a ajuda-lo. Jesus não tinha condições nenhuma de subir o monte calvário que tinha 900 metros e precisava de alguém para ajuda-lo. O Próprio Simão Pedro que Jesus chamou para segui-lo este também foi o primeiro a fugir da cruz, dizendo que nunca tinha visto Jesus, acompanhando todo o acontecimento de longe.

Simão Pedro foi o primeiro seguidor voluntário de Jesus antes da sua morte, e Simão o Cireneu foi o ultimo seguidor, involuntário, antes da sua morte. Obrigado a seguir a Cristo levando a sua cruz em nome de um ato diabólico a morte de um inocente.

Acredito que Deus tem algo a dizer com tudo isso. Voltando a nossa realidade de negros e negras, e pensando em nossos antepassados da diáspora também percebemos que eles foram involuntários, obrigados a seguir um Cristo em nome de um colonialismo e uma escravidão diabólica. Simão Cireneu na sua experiência e encontro involuntário com Cristo veio a se tornar juntamente com sua família de grande importância na Igreja Primitiva, a Bíblia menciona em vários textos.

Em Atos 13:1 ele reaparece como, Simeão Níger, Simão o negro, ele é um dos pastores da igreja, é o homem que impõe as mãos sobre Paulo para enviá-lo ao campo missionário. O homem que um dia carregou a cruz à força agora é um dos pastores da igreja, ele assumiu a cruz. Quando os escravos negros foram trazidos forçados para a América também foram obrigados a seguir a Cristo, eles também resistiram, mais logo perceberam que seguir a Jesus Cristo não eram aquilo que os seus opressores faziam, eles assumiram também a cruz, e descobriram um Cristo Salvador e Libertador e já não mais o seguia obrigado, mais como participante da sua morte e ressurreição.

O Cristo que outrora era usado para escraviza-lo agora era o Cristo da sua libertação da escravidão e racismo. Nos Estados Unidos e outros países da América isso aconteceu no período da escravidão, na África na colonização, e no Brasil ainda estamos passando por esse processo. Mais o que aconteceu com o ultimo discípulo de Cristo, Simão o Negro, também aconteceu com muitos dos nossos antepassados em África, na Diáspora na América e acontece ainda hoje conosco no Brasil.

A Paixão de Cristo, me fez refletir essas coisas, talvez por não conseguir ver o cristianismo como antes da conversão a minha negritude. Também cansado de ver a historia sendo contada sem a nossa participação e procurando olhar com olhos negros. Vivendo o processo que chamo de permanente conversão de um negro envolto ao um cristianismo branco, para um negro envolvido no Cristianismo de Jesus Cristo, de Salvação, Libertação e Negritude.

Por Hernani Francisco da Silva

9 de abr. de 2011

No futebol o negro não serve para pensar

Racismo no Futebol: Pesquisador da USP diz que negros não ocupam cargos de diretoria

No imaginário brasileiro, existe a ideia de que no meio futebolístico as relações raciais são leves e brandas, como se não houvesse discriminação por cor, e como se nos campos o negro tivesse um espaço ‘garantido’, ‘respeitado’. No entanto, uma série de histórias de vida e experiências contadas por jogadores, dirigentes, treinadores, árbitros, torcedores, jornalistas e intelectuais, seguidas das análises feitas pelo pesquisador Marcel Diego Tonini, revelam o caráter ainda racista dos bastidores do futebol, principalmente quando o que está em jogo é o comando de clubes e federações, ou seja, os cargos de chefia e liderança “além dos gramados”.

Percebendo que as pesquisas já realizadas a respeito do tema ‘negro no futebol brasileiro’ abordavam exclusivamente os jogadores, Tonini decidiu analisar outros profissionais desse universo. Assim, apresentou em seu trabalho um novo olhar sobre o tema, utilizando como ferramenta de estudo o registro das histórias orais da vida de pessoas que trabalham no campo e nos bastidores.

Os relatos demonstram como o racismo ainda é assunto ‘tabu’ no Brasil, evidenciando o histórico brasileiro de não discussão do tema, inclusive no meio futebolístico. “O ‘interior’ do futebol funciona na mesma direção da própria sociedade: uma ‘área rígida’ para as relações raciais, na qual ser negro ainda é empecilho para ascensão profissional”, salienta o pesquisador. “Nas 20 entrevistas, negros e brancos mediam palavras, como se o próprio ato de conversar sobre o tema significasse que eram racistas”, completa.

Segundo Tonini, o estudo das histórias narradas pelos próprios negros que vivenciaram situações de discriminação, com experiências dentro do jogo e relacionamentos nos bastidores, representa um caminho eficaz para o desenvolvimento da investigação sobre as relações raciais no Brasil.

As histórias de vida

Para realizar a pesquisa Além dos gramados: história oral de vida de negros no futebol brasileiro (1970-2010), Tonini entrevistou, entre outros, o ex-jogador Junior, do Flamengo; Jairo, que foi goleiro do Corinthians, e João Paulo Araújo, árbitro que atuou nas décadas de 1980 e 1990. Além deles, outras personalidades conversaram com Tonini, como Paulo César de Oliveira, árbitro, e os dirigentes do Juventude, do Grêmio e do Cruzeiro – times marcados por histórias polêmicas relacionadas à discriminação.

De acordo com o autor, a ideia do negro como jogador, e não como dirigente, ou técnico, já é algo comum e estabelecido no imaginário da sociedade. Essa concepção se confirmou por meio das entrevistas, que revelavam experiências de infância e dos dias atuais. Os relatos possibilitaram ao pesquisador entender como pensam os próprios sujeitos dos campos e bastidores quando o que está em pauta é o racismo no futebol.

“O intuito era acrescentar para a literatura dados qualitativos relevantes, referentes ao período de tempo compreendido entre os anos de 1970 e 2010; um recorte recente da nossa trajetória futebolística”, acrescenta.

Dirigentes brancos

Tonini pôde conlcuir que, mesmo no mundo do futebol, se mantém a mentalidade de que o negro não serve para pensar. Sendo incapaz de comandar, deve apenas obedecer. “Trata-se de uma herança do ideário escravocrata. Nesse contexto, podemos questionar, por exemplo, por que a maioria dos dirigentes é branca”, indaga o pesquisador.

“Geralmente, esses líderes vêm de famílias abastadas, já tendo sido sócios do clube. O fato de o branco ter mais oportunidades que o negro é uma questão relacionada à construção da história brasileira, marcada pela escravidão. A partir do momento que decidem que no futebol os dirigentes de clubes não são remunerados, consolida-se uma das várias maneiras de não deixar que o negro seja inserido nesses cargos de chefia. Até porque, nem aqueles jogadores negros que tiveram uma projeção conseguiram galgar a hierarquia do universo futebolístico”, explica Tonini.

Obstáculos da cor

Não conseguir apitar uma final de campeonato, por exemplo, foi um dos obstáculos enfrentados pelo entrevistado João Paulo Araújo. O ex-árbitro afirma não ter vivido essa experiência por causa da cor de sua pele. Andrade, ex-técnico do Flamengo, vencedor do Campeonato Brasileiro de 2009, não foi mais contratado por nenhum outro grande clube depois de ser demitido em 2010. Ele também é negro.

O relato de Junior, ex-jogador do Flamengo nas décadas de 1970, 1980 e 1990, que veio a ser treinador, abordou o caso da faixa estendida por torcedores em uma partida na Itália, onde estava escrito “Junior, negro sujo”. Tonini conta que o atleta veio de família rica do nordeste – uma exceção no contexto do futebol -, e que, provavelmente por conta disso, não se veja como negro, afirmando ainda não ter sofrido discriminação no Brasil.

Mas outros três relatos me chamaram atenção: os dos próprios dirigentes”, conta o pesquisador. “Quando perguntei sobre o caso de racismo que aconteceu em uma partida entre Grêmio e Cruzeiro, que inclusive teve repercussão na grande mídia, os dirigentes de ambos os clubes tentaram, de certa forma, minimizá-los, como se fossem meras casualidades, e não discriminação racial. Talvez, se dependesse deles, casos como esse não receberiam atenção”, aponta Tonini.

Fonte: www.usp.br