20 de jul. de 2007



Não é a dor sufocando meu peito insano e teimoso que me trouxe até aqui. Não é a solidão dos espaços vazios na minha alma, nem esse vento frio e cortante, sentido pela memória dos tempos passados... talvez apenas imaginado. Sonhos, memórias e sensações do que pode ser mas ainda não é, possibilidades realizáveis ou não. Tácito como o sol quente no inverno de Jequié. Fria como a música compassada da chuvas noturnas. Eternas chuvas que são vívidas pungentes no eterno verão da solidão. Nem pensamento nem ação.Também não é inação. Nada de sonho nem reflexão. Esperança desperdiçada em horas nuas e vazias. Espelhos inexatos refletindo imagens ilógicas, demonstrando o terno caleidoscópio das minhas emoções. Solidão maior na multidão. Estar só entre muitos, fugir das relações sociais, medo maior do medo, certeza das incertezas imprórpria, contudo tão reais. Solidão, tábua de salvação, esconderijo secreto, tão propositamente secreto que nem se faz mister esconder.
Nuvens de tênue claridade e de diversa forma mostram todo o conteúdo do infinito, tendo como tecido de fundo o azul celeste e sua policronia eterna que se transmuda ao sabor das horas volúveis do dia. A brisa fina que acaricia meu rosto com ternura na sua invisibilidade de fada, não poderia prever as confusas sensações de uma alma feita de pó e pedra lavrada. Pedras que rolam incessantemente do meu peito lasso e fatigado. Transformando as experiências passadas através dos filtros do indevassável presente. Não se pode confiar na dor. Ela é má conselheira. Não se pode lutar contra a sua silenciosa presença. Sempre alternada entre espaços: Um breve acorde, depois infinitas pausas desertoras dos sons sitiantes das muralhas do meu ser.Não há escape, resistir até o fim. Forte e sereno, delicado e voraz, firme e exato, como as folhas secas da amendoeira do meu quintal, que se espargem ao redor do tronco altivo. Novas folhas brotam, reverberando o verde puro na eterna linha de frente da vida que insiste em não terminar. Melhor. Que se reveste de eternidade a cada novo gene repoduzido e duplicado num novo ser. Recomeçar e refazer. Silêncios que vão se espraindo no imutável revolver das notas do piano irreversível, tocandoas mais maravilhosas melodias ainda não musicadas, porém ouvidas por aqueles que tem, como diria o poeta:
"Alma de ouvir
e coração de escutar".

12 de jul. de 2007

Desencontros
Quando estive aqui pela primeira vez ela estava vestida de uma longo, muito azul e reluzente. Parecia mais alta devido ao salto. Os cabelos encaracolados estavam soltos. Eram negros e também brilhantes. De fato parecia mais jovem. Talvez a maquiagem a rejuvenecera naquela noite. Desta vez está em pé ante a grande janela de vidro que mostra o clarão luminoso da lua cheia sobre o fundo escuro dos morros que circundeiam Jequié.
Timidamente eclipsei-me numa roda de amigos que versavam sobre o novo time do Vitória e sua saga na segunda divisão do Brasileiro. Não conseguia encarar aqueles grandes olhos verdes dela sobre mim. Sabia que ela estava me olhando. Tentei disfarçar meu nervosismo participando do papo. Não conseguia esquecer que na última vez que nos encontramos ela estava tentando manter a pose de menina direita e bem comportada. No entanto após alguns goles numa taça qualquer ela estava dançando ao som de algum DJ gospel. Era um forma de dançar sensualmente encantadora. Com um olhar ela me convidava, naturalmente fiz que não entendi. Não dançaria com a noiva do Glauber, muito menos quando lá ele não estava. De plantão até às seis da manhã não pode vir. Depois não me acostumei ainda com danças e rebolados Gospel.
Sim a festa era de aniversário de uma garota dita Gospel. Um nome moderno para os antigos evangélicos. Afinal aqui na Bahia adquiriram certa coloração não puritana! Se é que me faço entender! Sei lá. Muita coisa aqui não parece o que é. A "Marcha Para Jesus" aqui virou o "Carnaval dos Crentes", Tem o São João Gospel, o Funk Gospel enfim existe até baiana de acarajé de Jesus. Na luta entre as forças estrangeiras do protestantismo e o sincretismo religioso baiano, a acomodação foi um forte abraço que uniu e modificou até as mais firmes crenças.
A música aumenta e na mesma proporção as vozes se alteiam. Parece que todos tem algo a dizer. O calor aumenta e me afasto em direção a janela tentando saborear o ar puro que emana das montanhas. Ela está sentada na varanda circurspecta, parece reflexiva.
Me aproximo cerimoniosamente e ela me diz que gosta de ver a lua brincando de esconde-esconde com as nuvens escuras de Julho. Fala como se fosse para ela mesma.
- Você sabe o que há atrás daquela montanha escura?! -Ela fala apontando para um morro alto que se ergue aos nossos olhos.
- Não, não sei! Você já foi lá?- pergunto.
- Sim,há uma outra montanha, responde rindo. Dizendo isso se levanta e vem em minha direção. - Não precisa ter medo de mim-continua- Não vou te fazer mal nenhum, vejo você sempre fugindo de mim como se eu fosse te agarrar a força. E ainda que assim fosse não te tiraria pedaço algum.
Tento me explicar porém não consigo, já ela está na minha frente me beijando apaixonadamente...
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2 de jul. de 2007

Reflexões a respeito do consumo

Por Guilherme Bryan

Hipermodernidade. Esse é o termo, surgido na década de 1970, que o filósofo francês Gilles Lipovetsky tornou conhecido, a partir de seu livro Os tempos hipermodernos, para descrever o período atual da humanidade, marcado pelo excesso, pelo efêmero e por um tempo cada vez mais acelerado. Em sua nova obra, A sociedade da decepção (recém-lançada no Brasil pela Editora Manole), o pensador revela porque a nossa sociedade tem mania de consumo, ao mesmo tempo em que é marcada pelo desperdício, pela tristeza e por uma verdadeira explosão da decepção.

"O consumo traz um pouco de felicidade para as pessoas por meio de lazer, cinema, turismo, etc. São pequenas felicidades que tornam a vida mais agradável. Por outro lado, há um mal-estar ao vermos jovens de 18 anos obcecadas por cirurgia plástica, maquiagem e jóias, e também outros que não têm um futuro profissional e são obcecados pelas marcas. Isso empobrece a imagem do ser humano. O que se deve fazer? A partir da década de 1960, muitas análises sustentaram que a sociedade consumista era terrível por ser uma fonte de frustração e decepção. Acho que os autores desses textos estavam e estão equivocados, pois nunca conseguirão reduzir o consumo dessa forma, já que, se as pessoas consomem, é porque precisam consumir devido à ansiedade, infelicidade e frustrações. Se antes elas iam rezar, agora vão ao shopping center. Portanto, nossa responsabilidade é educar nossos filhos para que tenham paixões diferentes e/ou além do consumo", acredita.

Na opinião de Lipovetsky, não é a questão do consumo a mais importante com relação à frustração da sociedade atual, mas, sim, a da relação das pessoas com o trabalho e a vida afetiva. "Existem formas de consumo que são decepcionantes. Só que são exatamente aquelas que, antigamente, achávamos que nos protegiam da decepção. Muitos teóricos, por exemplo, afirmavam que não havia decepção com relação à alimentação. Eu penso que é o contrário: a alimentação se tornou um setor que acarreta muita decepção. No que se refere às mulheres, existe uma relação altamente problemática com a alimentação, pois, a partir do momento em que se come, há o medo de engordar. Depois elas fazem regimes que são altamente decepcionantes, pois perdem peso, mas acabam depois recuperando esse mesmo peso", comenta.

Para Lipovetsky, a televisão também é uma das fontes mais importantes de decepção: "Quando você compra uma TV, raramente se decepciona com a compra ou com o objeto, a não ser que ele quebre ou não funcione. Mas, em compensação, o que você vê e ouve na TV te traz um monte de decepções, praticamente diárias. Por que as pessoas ficam zapeando, procurando outro programa? Se estivessem adorando e totalmente envolvidas com o programa que estão vendo, não mudariam de canal. Então a televisão é feita de pequenas decepções contínuas. Afinal, as pessoas querem ser surpreendidas o tempo todo com coisas novas".

De acordo com Lipovetsky, não é possível deixar de realçar a importância do amor, uma vez que ele é praticamente inseparável da decepção. Essa questão não é novidade, assume o filósofo, mas atualmente ela está cada vez mais presente. "A experiência amorosa, na maioria das vezes, se concretiza por uma grande decepção. Qual é a reação das pessoas? Há as que, imediatamente, vão à caça de uma nova aventura. Outras procuram se proteger da decepção. E há ainda aquelas que transferem todo seu amor para os animais, uma vez que eles nunca decepcionam. É o contrário do ser humano, que decepciona sempre", reflete.

O filósofo se atém também no trabalho como um dos principais causadores de frustrações na sociedade hipermoderna. "Há muitos jovens que têm dificuldade em entrar no mercado de trabalho. Já as pessoas com mais de 50 anos, quando perdem seus trabalhos, vivem verdadeiras tragédias, pois têm muita dificuldade em retornar ao mercado de trabalho. Essa questão está relacionada a um código de trabalho muito rígido e a tendência, em minha opinião, deveria ser a uma maior liberalização do mercado de trabalho, que trouxesse novas formas de proteção ao trabalhador. Um modelo interessante é o adotado pelos países escandinavos, denominado segurança flexível. Nele, demitir um funcionário pode ser feito sem maiores dificuldades. Só que a pessoa que fica desempregada recebe por um período bem curto 90% de seu salário e um treinamento para incentivá-la a retornar ao mercado de trabalho. Esse é um novo modelo de solidariedade. Por sua vez, com relação aos jovens, deveriam ser feitas transformações profundas no sistema escolar. Umas das mudanças deveria ser criar pontes da escola com a empresa para que, já na escola, o jovem possa entender o que significa trabalhar numa empresa", aposta.

Lipovetsky pode ser considerado pessimista quando reflete a respeito do atual esvaziamento político mundial: "A decepção com relação aos políticos existe em todas as democracias desenvolvidas. Na América Latina, por exemplo, existe uma imensa decepção com relação aos políticos, incluindo o Brasil, onde a corrupção é tão forte. Essa decepção também é bastante presente nos países do Leste Europeu, os ex-países comunistas, que sonhavam com um mundo livre, cheio de abundância e bem-estar. No entanto, a realidade deles é marcada pelo desemprego, corrupção e novos ricos. Ou seja, com o fim do comunismo, há agora a globalização, que, ao mesmo tempo em que traz suas riquezas, é marcada por grandes desigualdades, o que cria uma decepção ainda maior pelo fato de ainda não existir um modelo capaz de se contrapor a esse. Antigamente, havia grandes utopias e as pessoas acreditavam que o mundo seria outro após o comunismo. Hoje em dia, além do Hugo Chávez, ninguém mais acredita nisso".

Porém, o filósofo francês não se considera um pessimista e procura indicar caminhos positivos para o futuro: "Eu não sou pessimista. Acredito que há possibilidades de corrigir essa situação. As últimas eleições na França, onde houve um índice de 85% de pessoas que votaram, são ótimos exemplos. Esse é um índice extraordinário. Então, se os líderes políticos trouxerem novas soluções e lançarem novos caminhos, as pessoas estarão aí querendo ouvir, apesar de estarem cansadas das promessas da retórica política. Há um novo desejo dos cidadãos de participar da vida política. O [Nicolas] Sarkozy [eleito presidente francês em maio de 2007], por exemplo, nos últimos anos, fez o 'discurso da verdade'. Dizia as coisas tais como são, mesmo que fossem contrárias aos interesses de seu partido político. Não sei se ele será bem-sucedido, mas, de qualquer modo, é preciso dizer que a globalização não é a única responsável pela decepção. Há também uma fraqueza dos aparelhos políticos. A meu ver, a classe política deveria ser mais dinâmica, rápida e ágil, afinal estamos na era da Internet".