18 de jun. de 2008


"Tudo que é sólido desmancha-se no ar"



Faz frio na cidade sol. O vento sopra incessante sobre as folhas de um verde vivo no quintal. O vidro da janela reflete a tênue luz do dia que se finda pausadamente. A tristeza que invade o meu peito me oprime. Sei que devo chorar mas não consigo. O tempo passa lentamente. Os últimos pardais apressados se rejubilam entre folhas e formigas no chão. Sinto-me um fracasso! Sinto cansado. Sei lá! Minha vida entrou no turbilhão sem fim. Incendiado por esse sentimento de incapacidade, de impossibilidade de mudança! Se ao menos pudesse antever uma sáida já seria o suficiente para entrar na luta.
Lembro-me das tardes solitárias da infância. Brincava sozinho com meus brinquedos. Minha mãe sempre ocupada nos afazeres diários. Meu velho pai na lida para manter casa e familia. Recordo-me do silêncio em cada canto da casa. Sabia de cor o canto dos passarinho de tanto ouvi-los. O estridente canto da Garrincha. O sussurro macio das Lavandeiras, o repicar contínuo dos onipresentes pardais, o triste canto dos canários.
Sentado em frente a porteira do sítio onde morávamos mirava o horizonte sonhando em como seria morar na cidade. Correr pelas ruas, brincar com outras crianças. Subia o morro com agilidade e destreza. Sabia o nome das plantas e ervas... Eu era feliz e sabia! Só não entendia que o tempo é como um automóvel veloz, sem marcha ré. E por que não dizer... sem freio.
O telefone toca insistente. Para que atender? Nada pode mudar meu estado de espírito hoje. Nenhuma notícia boa. Nenhuma voz amiga. Ah! Quem me dera o tempo da esperança...
Vejo sobre a mesinha de cabeceira um livro que terminei de ler no domingo a noite: Breve romance de um sonho, um bom livro bem escrito, com ótimo enredo.Tudo vai bem na vida do dr. Fridolin e de sua mulher, Albertine. Ambos são jovens, belos, prósperos e têm uma filhinha adorável. Pode-se dizer que, na Viena dos anos 1920, eles formam uma família burguesa exemplar. Até que, numa noite, depois de um baile de máscaras e vários goles de champanhe, Albertine decide confessar ao marido uma antiga fantasia erótica. Perturbado pela história secreta de sua mulher, o dr. Fridolin sai no meio da noite para atender a um paciente em estado grave. A partir desse momento, tudo o que parecia dar sustentação ao mundo das personagens começa a entrar numa espécie de vertigem. Rapidamente o dr. Fridolin se vê enredado numa estranha aventura sexual, em que o desejo e o perigo de morte se auto-alimentam. Ao final da narrativa, o leitor fica com a impressão de que a volta à "realidade de todos os dias" não será mais possível - não para as personagens que a vivenciaram.
Eu também conheço minhas limitações e na luta constante do dia-a-dia quase sempre esqueço daquela recomendação básica de schopenhauer:“Viver e sofrer”.


Mas, apesar de todo seu profundo pessimismo, a filosofia de Schopenhauer aponta algumas vias para a suspensão da dor. Num primeiro momento, o caminho para a supressão da dor encontra-se na contemplação artística. A contemplação desinteressada das idéias seria um ato de intuição artística e permitiria a contemplação da vontade em si mesma, o que, por sua vez, conduziria ao domínio da própria vontade. Na arte, a relação entre a vontade e a representação inverte-se, a inteligência passa a uma posição superior e assiste à história de sua própria vontade; em outros termos, a inteligência deixa de ser atriz para ser espectadora. A atividade artística revelaria as idéias eternas através de diversos graus, passando sucessivamente pela arquitetura, escultura, pintura, poesia lírica, poesia trágica, e, finalmente, pela música. Em Schopenhauer, pela primeira vez na história da filosofia, a música ocupa o primeiro lugar entre todas as artes. Liberta de toda referência específica aos diversos objetos da vontade, a música poderia exprimir a Vontade em sua essência geral e indiferenciada, constituindo um meio capaz de propor a libertação do homem, em face dos diferentes aspectos assumidos pela Vontade.
Chega de filosofia, vou tomar minha dose noturna de caféina enquanto ouço Enya tristemente cansado...