4 de mar. de 2007



UM DOMINGO QUALQUER

Ainda conservava um resquício de beleza. Por trás dos olhos castanhos e das rugas que lhe desmentiam a maquiagem mal feita dava para ver que muitos janeiros por ela já haviam passado. Sentados na mesma mesa nós conversávamos, quer dizer, eu pouco falava, apenas respondia a algumas perguntas que ela fazia entre os poucos minutos em que pausava para respirar ou beber. Parecia uma daquelas estranhas personagens saídas de alguma página de Shakespeare, com cabelos curtos tingidos de louro, nos quais a raiz já despontava a cor verdadeira, um misto de preto e branco. Falava sem parar: Já morara em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Se casara três vezes e desses casamentos, dois filhos já adultos, homens, estavam em algum lugar do estado de São Paulo. Ela conta que perdeu o contato com os filhos depois que o pai ganhou na justiça o direito de criá-los e os levou. Ao se casar com o segundo marido esse exigiu que ela não recorresse da decisão do juiz e foram morar em Salvador. Muito mais tarde buscou alguma notícias porém não conseguiu localizá-los.
Pergunto-lhe como foi que veio parar aqui e ela responde de forma enigmática que veio "á toa", assim como não quer nada. Não entendo. Mas também não questiono. Seus lábios são de um vermelho roxo, estranha cor de baton. As unhas pintadas também de vermelho, já estão um pouco puídas nas pontas. A voz é um pouco rouca, , por certo, efeito de muitas taças de cerveja ou cachaça, dão a impressão de um ressaca que nunca se cura. Não me impressiona suas histórias mas principalmente, sua memória prodigiosa, pois relata fatos acontecidos há anos com uma incrível precisão de detalhes.
Lá fora um vento morno acaricia as palhas dos coqueiros. Estou aqui neste balcão de uma espécie de lanchonete bar, apenas esperando um ônibus, que me conduza de volta a Jequié, e já me preocupa a demora. Disseram que o motorista é muito pontual, exceto quando acontece algum imprevisto na estrada.
- Você já foi no Rio de Janeiro, - pergunta-me a mulher - trazendo-me de volta à mesa, respondo lhe que não, nunca fui ao Rio nem a São Paulo. Ela diz que lá teve que mudar de nome pois o terceiro marido com quem se casara era um contrabandista muito procurado em Minas e Espírito Santo e ambos adotaram identidades falsas. Aproveito o momento para perguntar-lhe o nome.
- Aurora, fala de supetão, entre um gole e outro.
- È o mesmo nome da minha avó - continua - Aurora Neves Souza.
Conta-me depois que sua avó ao morrer deixou uma casa para sua mãe, mas o pai que era viciado em jogo a perdeu numa posta e passaram a maior parte da vida vivendo de aluguel. Lembra-se com carinho do avô paterno, um padeiro que trabalhava no Brás, e que todas as vezes que ia visitá-los levava muitos pães e doces.
- Tudo passado, águas passadas, não voltam mais! - isso ela fala olhando para frente, não propriamente para mim mas para si mesmo.
Enfim o ônibus chega em meio a muita poeira e fumaça, quase vazio e despeço-me de Aurora, após pagar a conta. Da janela do ônibus retribuo o aceno que ela faz ainda sentada na mesa.
Apuarema, 4 de março de 2007.

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