11 de mar. de 2011

Racismo na Bíblia Dake

30 Motivos para a Segregação das Raças na Biblia Dake

30 Motivos para a Segregação das Raças"

por Finis Dake

E de um só sangue fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites da sua habitação; (Atos 17:26 KJV)

1. Deus quer que todas as raças sejam como Ele as fez. Qualquer violação do propósito original de Deus demonstra insubordinação a Ele. (At 17.26, Rm 9.19-24);

2. Deus fez tudo para se reproduzir “segundo sua própria espécie” (Gn 1.11-12, 21-25, 6.20, 7.14). Espécie compreende tipo e cor ou Ele os teria mantido todos iguais, desde o princípio;

3. Deus originalmente determinou os limites das habitações das nações (At 17.26; Gn 10.5, 32; 11.8; Dt 32.8);

4. Miscigenação implica na mistura de raças, especialmente as raças preta e branca, ou aqueles de tipo ou cor proeminente. A Bíblia não apenas se opõe a isto como vai ainda mais longe. É contra o casamento entre os diferentes ramos do mesmo tronco, como os judeus que se casaram com outros descendentes de Abraão (Ed 9-10; Nm 9-13; Jr 50.37, Ez 30.5);

5. Abraão proibiu Eliezer de tomar uma esposa para Isaque entre os cananeus (Gn 24.1-4) Deus ficou tão satisfeito com isto que Ele o dirigiu a quem devia buscar (Gn 24.7, 12-27);

6. Isaque proibiu a Jacó de tomar mulher entre os cananeus (Gn 27.46-28.7);

7. Abraão enviou todos os seus filhos das concubinas, e até mesmo de sua segunda esposa, para longe de Isaque para que seus descendentes não se misturassem (Gn 25.1-6);

8. Esaú, desobedecendo a essa lei trouxe a ruptura final entre ele e seu pai após uma vida toda ele (Gn 25.28; 26.34-35, 27.46; 28.8-9);

9. Os dois ramos de Isaque permaneceram segregados para sempre (Gn 30; 46.8-26);

10. Ismael e os descendentes de Isaque permaneceram segregados para sempre (Gn 25.12-23; 1 Cr 1.29);

11. Os filhos de Jacó destruíram uma cidade inteira para manter a segregação (Gn 34);

12. Deus proibiu o casamento entre Israel e todas as outras nações (Êx 34.12-16; Dt 7.5-6);

13. Josué proibiu a mesma coisa sob pena de morte (Js 22.12-13);

14. Deus amaldiçoou os anjos por terem deixado seu “primeiro estado” e “sua própria habitação“ para se casarem com as filhas dos homens (Gn 6.1-4; 2 Pe 2.4; Jd 6-7);

15. A miscigenação fez com que Israel fosse amaldiçoado (Jz 3.6-7; Nm 25.1-8);

16. Este foi o pecado de Salomão (I Rs 12);

17. Este foi o pecado dos judeus voltando da Babilônia (Ed 9.1-10.2,10-18,44; 13.1-30);

18. Deus ordenou a Israel que vivesse segregado (Lv 20.24, Nm 23.9, 1 Rs 8.53);

19. Os judeus são reconhecidos como um povo separado em todas as épocas por causa da escolha e do comando de Deus. (Mt 10.6, Jo 1:11). Direitos Iguais no evangelho não nos dão o direito de quebrar esta lei eterna;

20. A segregação entre judeus e todas as outras nações permanecerá por toda a eternidade (Is 2.2-4; Ez 37; 47.13-48,55; Zc 14.16-21, Mt 19.28, Lc 1.32-33; Ap 7.1-8; 14.1-5);

21. Todas as nações continuarão segregadas umas das outras em suas próprias partes da Terra para sempre (At 17.26; Gn 10.5,32; 11.8-9; Dt 32.8; Dn 7.13-14; Zc 14; Ap 11.15, 21.24);

22. Certas pessoas em Israel não poderiam sequer adorar junto com outras pessoas (Dt 23.1-5; Ed 10.8; Nm 9.2 10.28; 13.3);

23. Mesmo no céu certos grupos não poderão adorar junto a outros (Ap 7.7-17; 14.1-5; 15.2-5);

24. A Segregação era tão severa no Antigo Testamento que um boi e um burro não poderiam trabalhar em conjunto (Dt 22.10);

25. A miscigenação causou desunião entre o povo de Deus (Nm 12);

26. Animais foram proibidos de se reproduzir com outras espécies (Lv19:19);

27. Semear sementes misturadas no mesmo campo era ilegal (Levítico 19:19);

28. Sementes diferentes foram proibidas de serem plantadas nas vinhas (Dt 22.9);

29. Vestir roupas de tecidos mistos foi proibido (Dt 22.11; Lv 19.19);

30. Cristãos e algumas outras pessoas devem ser segregados como as raças (Mt 18.15-17; 1 Co 5.9-13; 6.15; 2 Co 6.14-15, Ef 5.11, 2 Ts 3.6-16; 1 Tm 6.5, 2 Tm 3.5).”

Fonte Afrokut

LEIA TAMBÉM:

______________________________________________


Referências:

Série "Raça, religião e racismo" Dr. Frederick KC Price

Answering the Charge of Racism - A Position Paper From Dake Publishing http://www.dake.com/dake/position.html

A Bíblia de Referência Anotada Dake - Finis Jennings Dake

Ministério Dez Mandamentos (Site segregacionista norte-americano);

Cultos perigosos (a verdade sobre cultos perigosos e a Bíblia Dake).


20 de jan. de 2011

Esse é do Youtube abaixo está o link!

Faz muito tempo que eu não escrevo nada,

Acho que foi porque a TV ficou ligada
Me esqueci que devo achar uma saída
E usar palavras pra mudar a sua vida.

Quero fazer uma canção mais delicada,
Sem criticar, sem agredir, sem dar pancada,
Mas não consigo concordar com esse sistema
E quero abrir sua cabeça pro meu tema

Que fique claro, a juventude não tem culpa.
É o eletronic fundindo a sua cuca.
Eu também gosto de dançar o pancadão,
Mas é saudável te dar outra opção.

Os meus heróis estão calados nessa hora,
Pois já fizeram e escreveram a sua história.
Devagarinho vou achando meu espaço
Mas não me esqueço das riquezas do passado.

Eu quero "a benção" de Vinícius de Morais,
O Belchior cantando "como nossos pais",
E "se eu quiser falar com..." Gil sobre o Flamengo,
"O que será" que o nosso Chico tá escrevendo.

Aquelas "rosas" já "não falam" de Cartola
E do Cazuza "te pegando na escola".
To com saudades de Jobim com seu piano,
Do Fábio Jr. Com seus "20 e poucos anos".

Se o Renato teve seu "tempo perdido",
O Rei Roberto "outra vez" o mais querido.
A "agonia" do Oswaldo Montenegro
Ao ver que a porta já não tem mais nem segredos.

Ter tido a "sorte" de escutar o Taiguara
E "Madalena" de Ivan Lins, beleza rara.
Ver a "morena tropicana" do Alceu,
Marisa Monte me dizendo "beija eu"

O Zé Rodrigues em sua "casa no campo"
Levou Geraldo pra cantar no "dia branco".
No "chão de giz" do Zé Ramalho eu escrevi
Eu vi Lulu, Benjor, Tim Maia e Rita Lee.

Pedir ao Beto um novo "sol de primavera",
Ver o Toquinho retocando a "aquarela",
Ouvir o Milton "lá no clube da esquina"
Cantando ao lado da rainha Elis Regina.

Quero "sem lenço e documento" o Caetano
O Djavan mostrando a cor do oceano.
Vou "caminhando e cantando" com o Vandré
E a outra vida, Gonzaguinha, "o que é?"

http://www.youtube.com/watch?v=7oXis0HZPz0

Movimentos sociais e política - releituras contemporâneas

Breno BringelI; Maria Victória EspiñeiraII

IPesquisador do Departamento de Ciência Política III e do Grupo de Estudos Contemporâneos da América Latina da Universidade Complutense de Madri - Espanha. Facultad de Ciencias Políticas y Sociología. Campus de Somosaguas s/n - 28223. Pozuelo de Alarcón - Madri - Espanha. brenobringel@hotmail.com
IIDoutora em Ciência e Filosofia da Educação. Mestra em Ciências Socias. Professora Adjunta do Departamento de Ciência Política e da Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia. Rua Aristides Novis, 197. Cep: 40.210-909. Federação. Salvador - Bahia - Brasil. victoria@ufba.br


A pergunta "Tem a política algum sentido?", lançada por Hannah Arendt há mais de cinquenta anos, torna-se cada dia mais atual. Obviamente, a pergunta não é nova, mas, feita hoje, incorpora contornos que não tinha décadas atrás. Para teóricos políticos contemporâneos como Jacques Rancière, o tema obsessivo do "fim" e, entre eles, o "fim da política", está relacionado à subtração do político. Subtração que, segundo o autor francês, pode ser descrita de duas maneiras: por um lado, como uma redução do político à sua função consensual, pacificadora de nexo entre os indivíduos e a coletividade, ao descarregá-los do peso e dos símbolos da divisão social; por outro lado, como uma supressão dos símbolos da divisão política em beneficio da expansão e do dinamismo próprio da sociedade. Nesse sentido, a pacificação recíproca do social e do político é um velho assunto que a política provavelmente conheceu desde sempre como sua essência paradoxal. Segundo ele, talvez o "fim da política" não seja outra coisa que sua consumação, a consumação sempre jovem de sua velhice; é esse fim sempre jovem que a política associou sempre ao pensamento da fundação.

Na atualidade, a desafeição pela política já não é provocada tanto por uma atitude totalitária, mas pelo incremento das distâncias e pelo afiançamento de um "paradoxo democrático", que pode ser resumido na idéia de que o ideal democrático não tem rival, mas os regimes que o reivindicam suscitam fortes críticas e reticências. A política se associa, assim, à desconfiança, e emergem interpretações variadas sobre os efeitos do crescimento do individualismo, o declínio da vontade política e dos horizontes universalistas, o incremento do distanciamento entre elites e o povo, etc. Para Rosanvallon, em seu livro Contre-démocratie, o grande problema da "política na era da desconfiança" não é o da passividade ou da despolitização (entendida como um menor interesse pelos assuntos públicos e um declínio da atividade cidadã), mas o da "impolítica", ou seja, da falta de apreensão global dos problemas ligados à organização de um mundo comum. Para esse autor, o aumento da distância entre a "sociedade civil" e as instituições delinearia uma espécie de "contrapolítica", fundada sobre o controle, a oposição e a diminuição dos poderes que já não se buscam conquistar de forma prioritária. Em suma, uma política de caráter reativo, que não serviria para estruturar e sustentar uma proposta coletiva.

Porém esse caráter defensivo e o controle sob a política democrática não pode nublar o amplo leque do repertório político, seus variados atores e lugares de enunciação. É interessante notar que a distinção conceitual entre a política (relacionada, maiormente, ao âmbito estatal e institucional) e o político (a dimensão que vai além do estatal ou do institucional, sem necessariamente estar confinada a um determinado lugar) vem se consolidando, com diferentes matizes, na teoria política. Ao mesmo tempo, é uma distinção útil para se pensarem os espaços de atuação política dos movimentos sociais contemporâneos. Se, com essa distinção, pode-se dividir, em termos analíticos, o fenômeno político em dois momentos fundamentais (o da criação e o da reprodução de sentido), também é possível pensar a ação dos movimentos sociais nesse espelho, a partir de uma tensão contínua entre o instituinte e o instituído, o endógeno e o exógeno, o local e o global.

Desde a instituição acadêmica dos movimentos sociais como objeto de estudo na década de 1960, várias teorias e paradigmas vêm abordando o tema a partir de diferentes perspectivas. Das divisões e fraturas clássicas entre as diferentes abordagens, passamos a um período de maior imbricação, onde o diálogo disciplinar e de saberes torna-se um pré-requisito fundamental para a construção de análises mais complexas e acordes com a realidade. As "teorias clássicas" dos movimentos sociais, em sua maioria centradas no âmbito do Estado-nação, vêm sendo revisitadas devido a um pujante ativismo transnacional. Emergem novas lentes analíticas e (ou) se renovam velhas ferramentas.

Este dossiê da revista Caderno CRH pretende contribuir com algumas reflexões que fomentem uma revisão das ações coletivas e dos movimentos sociais como objeto de estudo na contemporaneidade. Aspira a "revisitar" algumas categorias e abordagens "clássicas" que foram praticamente abandonadas no debate brasileiro durante a década de 1990, e introduzir ferramentas analíticas renovadas. Sobressai, no conjunto dos artigos apresentados, uma preocupação por mapear os limites e possibilidades do debate sobre os movimentos sociais, os diferentes espaços de enunciação e contestação política, as diversas manifestações da ação coletiva contemporânea e a importância de uma nova agenda de pesquisa sobre os movimentos sociais. Nesses artigos, é notório o aparecimento transversal de várias palavras-chave, tais como: mobilização, demandas, redes, território, transnacionalização, democracia, esquerda, emancipação, Brasil, América Latina, entre outras.

Com esse pano de fundo, Benjamin Arditi abre o dossiê com uma reflexão teórica que tem como referência o pensamento do controvertido e sempre atual Carl Schmitt, autor que rompe com a identificação da política com o Estado. Porém Arditi não se limita a repetir os códigos e as fraturas mais trabalhadas pelos intérpretes do autor alemão, explorando campos de interpretação férteis para a teoria política, em constante diálogo com destacados autores contemporâneos. Em particular, destaca sua leitura de algumas tensões, como guerra e política, amigo e inimigo, a "política" e o "político", base para sua proposta de uma dupla inscrição do político.

Com uma panorâmica sobre as múltiplas possibilidades que albergam um "campo político" ampliado, o artigo de Maria Victoria Espiñeira e Helder Teixeira nos introduz no debate sobre os déficits da representação política no Brasil, através de dados estatísticos que se referem às casas legislativas do Brasil. Os autores reflexionam sobre como pode ser construído o homem educado, o que ultrapassa o autointeresse e pode influenciar e construir novos sentidos para a política e ser formador de movimentos sociais atuantes na esfera pública. Assim, vão se reportar aos trabalhos de John Dewey e os de Jürgen Habermas para a compreensão de como se pode formar o representado em cidadão ativo, participante das ações coletivas, reconhecendo que, através das práticas dialógicas na esfera pública, pode ocorrer um salto da esfera civil e política para mudanças na esfera econômica.

Os textos seguintes, sem deixar de lado a discussão sobre os sentidos da ação política (coletiva), se adentram com maior profundidade no debate sobre os movimentos sociais propriamente ditos. Inaugura-se essa sequência de textos com o trabalho de Carlos Gadea, que, além de fazer um breve balanço crítico sobre os caminhos (e descaminhos) do debate sobre os movimentos sociais durante as últimas décadas, propõe uma articulação entre esses atores e a trajetória da esquerda política na América Latina, em particular no Uruguai. O artigo de Gadea tem o mérito de introduzir uma variável histórica, a partir de uma base sociológica, para explicar tal relação, que habitualmente aparece descontextualizada em muitas análises contemporâneas sobre os movimentos sociais e os "governos de esquerda" atuais na América Latina.

O artigo de Maria da Glória Gohn também trata dos movimentos sociais na América Latina, porém tem como objetivo analisar o cenário do associativismo civil na região. Para isso, a autora traça um mapa da produção teórica atual sobre os movimentos sociais, apontando para as principais mudanças analíticas ocorridas, tomando como referência duas categorias básicas: redes e mobilização social. Desse modo, o texto de Gohn destaca a mudança de foco nas abordagens sobre os movimentos sociais, partindo da interpretação sobre as novas gramáticas dos "dicionários" atuais dos movimentos sociais, que priorizam, muitas vezes, de forma acrítica, categorias operacionais de intervenção na realidade social nos marcos de uma política de inclusão conservadora.

As redes de movimentos sociais na América Latina recebem um tratamento mais específico no artigo de Ilse Scherer-Warren. Com o objetivo de responder se essas redes apresentam pistas para políticas emancipatórias, a autora sublinha a novidade histórica de uma renovada diversidade constitutiva dessas redes para construir subjetividades coletivas que conformam sujeitos e estimulam projetos políticos alternativos com um variado alcance setorial e territorial. A tradução de demandas materiais em representações simWarren, uma condição fundamental para a reelaboração de discursos, identidades coletivas, imaginários, nos quais vão se definindo novos campos de conflito.

Com o objetivo de continuar dando respostas aos desafios contemporâneos das ações coletivas, o dossiê conta, finalmente, com a contribuição de Breno Bringel e Enara Echart, que pretendem ir além das análises hegemônicas sobre as relações entre os movimentos sociais e a democracia, problematizando algumas "fronteiras" que impedem uma análise multidimensional dessas relações: a fronteira da ciência (pela qual os autores oferecem algumas alternativas disciplinares, metodológicas e epistemológicas para se repensarem os movimentos sociais como objeto de estudo); a fronteira do Estado-nação (que estabelece as conexões entre diferentes escalas, do local ao global, que interferem nos processos de democratização a partir da espacialidade da política); a fronteira institucional (que pensa a política como o espaço da experiência e o universo instituinte das práticas democráticas, para além do instituído) e a fronteira do momento histórico (que questiona as "transições políticas" como referência fundamental para os estudos entre movimentos sociais e democracia). O artigo contribui, assim, para assinalar os limites de muitas análises contemporâneas sobre essa temática, abrindo pistas para abordagens renovadas.

Esperando que os textos possam contribuir para uma discussão sobre as novas perspectivas de debate sobre os movimentos sociais e a política, gostaríamos de agradecer a todos os colegas que aceitaram participar desta coletânea e à revista Caderno CRH - em particular à sua editora, Anete B. L. Ivo, e sua co-editora, Elsa Kraychete -, pela possibilidade de publicar este dossiê temático e de tornar visível parte dos resultados do Seminário Nacional Movimentos Sociais e os Novos Sentidos da Política, promovido em junho de 2008 pelo Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), e coordenado e organizado por nós.

(Recebido para publicação em outubro de 2008)
(Aceito em dezembro de 2008)

Breno Bringel - Pesquisador do Departamento de Ciência Política III e do Grupo de Estudos Contemporâneos da América Latina da Universidad Complutense de Madri (Espanha). Entre 2006 e 2008, durante o doutorado-sanduíche, atuou como Pesquisador-visitante na UNICAMP e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA. É membro do Grupo de Estudos sobre Movimentos Sociais, Democracia, Educação e Cidadania (GEMDEC-UNICAMP) e pesquisador da Fundação Centro de Estudios Políticos y Sociales (CEPS) da Espanha. É membro do Research Committee on Social Classes and Social Movements (RC-47) da Associação Internacional de Sociologia (ISA) e co-editor (responsável da América Latina) da New Cultural Frontiers, nova revista internacional da ISA. É autor de vários capítulos de livro e artigos em revistas nacionais e internacionais. No Caderno CRH, publicou recentemente (com Alfredo Falero) o artigo Redes transnacionais de movimentos sociais na América Latina e o desafio de uma nova construção socioterritorial (v. 21, n. 53).
Maria Victória Espiñeira - Professora Adjunta do Departamento de Ciência Política e da Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA. É mestre em Ciências Sociais e doutora em Ciência e Filosofia da Educação. Tem pesquisado sobre os movimentos sociais e suas relações com os partidos políticos (com ênfase nos estudantes e nos bairros), os vereadores e a presença dos movimentos sociais nas suas agendas, a cultura política desses grupos políticos e a transição democrática no Brasil. Publicou O Partido A Igreja e o Estado nas Associações de Bairros pela EDUFBA (1997), o capítulo "Experiência da Ala Jovem do MDB da Bahia durante o Regime Militar (2003).

17 de jan. de 2011

mentiras e ilusões do futebol

TOSTÃO http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk1601201108.htm
Mentiras coletivas

Investidores, marqueteiros e cartolas fingem que contrataram o melhor jogador do mundo


O SER HUMANO, para sobreviver e construir a civilização, teve de reprimir, negar e sublimar seus instintos e vários desejos.
Para isso, pagou um preço, como mostrou Freud em um de seus melhores livros, "O Mal-Estar na Civilização". Hoje, o mal-estar é ainda maior.
O ser humano costuma também fingir e mentir por hábito, necessidade, compulsão ou sem-vergonhice. Todos os anos, governantes, principalmente os de países mais ricos, se fingem de anjos e se reúnem para discutir os gravíssimos problemas da fome, ambientais, de aumento da temperatura do planeta e outros. Nada fazem para valer.
Todos os anos, especialistas mostram as soluções técnicas para prevenir os gravíssimos problemas ocasionados pelas chuvas, e as autoridades sobrevoam as áreas das tragédias. Nada fazem para valer.
No futebol, dirigentes e investidores do Flamengo fingem que contrataram o melhor do mundo. Torcedores eufóricos e iludidos acham que agora o time ganha tudo. Marqueteiros promovem um produto que não mais existe. Parte da imprensa trata a contratação de Ronaldinho como se fosse a de Romário, quando ele deixou o Barcelona para o Flamengo com o título de melhor jogador do planeta.
Desde a Copa de 2006, Ronaldinho é um jogador de dois passes excepcionais e um ou outro drible espetacular, sem sair do lugar. Para os grandes times da Europa, é muito pouco. Desistiram dele.
Será suficiente para o Flamengo e para o futebol que se joga no Brasil? No Milan, quando o técnico era Leonardo, Ronaldinho ensaiou uma grande recuperação, mas logo a chama se apagou.
A dedicação, a disciplina, a renúncia a muitos prazeres e, principalmente, a consciência do mundo que o cerca, condições necessárias para um craque se manter em forma por um longo tempo, são incompatíveis com a vida de celebridade e de riqueza. Há exceções. Messi, Iniesta e Xavi, como disse Casagrande, no Arena Sportv, além de craques, são pessoas normais.
Ronaldinho parece uma mercadoria, um boneco guiado por controle remoto, que sorri e fala sempre a mesma coisa e com a mesma cara.
Ronaldinho não é Ronaldo. O torcedor do Corinthians, honrado em ter na equipe um dos maiores jogadores da história, aplaudiu Ronaldo, mesmo sem jogar ou jogando mal.
O flamenguista não vai fazer o mesmo. Quer títulos. Ronaldinho não tem o carisma e o prestígio de Ronaldo. Terá de ser excepcional.
Ronaldinho, acorde
!

27 de nov. de 2010

JOEL DA CONCEIÇÃO CASTRO: um garoto negro,
cheio de vida e sonhos - vítima da violência e
incompetência policial na favela!


Em pleno século 21 nos deparamos com um verdadeiro genocídio de negros e pobres marginalizados pela sociedade e estigmatizados por um "poder público" que, ao invés de nos dar proteção, nos mata, nos estermina como nos tempos das senzalas e pós-abolição quando todo o investimento no poder bélico do Estado visava tão somente "coibir" a "vagabundagem" daqueles que eles diziam ter alforriado. Desde aquela época "os capoeiras", por exemplo, eram considerados como marginais, vagabundos e desordeiros da "ordem pública". Hoje, porém, apesar das conquistas adquiridas por esse povo sofrido, resistente e lutador que é o povo negro, a coisa ganhou uma roupagem, uma maquiagem e uma dimensão bem diferentes e maiores, embora a essência continue a mesma: DISCRIMINAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA-RACIAL!!!

Todos os dias somos vistos e tratados por policiais despreparados como bandidos em potencial. Infelizmente é esse o olhar da maioria dos policiais que, ao adentrarem em nossos bairros, só conseguem ver em sua frente "suspeitos". Ou seja, "negros, mal vestidos e pobres moradores da favela". Devemos esse estígma, também, à massificação de uma certa imprensa midiática cuja abordagem chega a ser sádica, desumana, discriminatória, sórdida mesmo, no que tange ao trato e o "modus operandis" de negros e pobres da favela.

O caso do garoto Joel Castro abalou a todos nós que convivemos, diariamente, com essa triste realidade em nossos bairros chamados "populares". Diante disso, no próximo domingo (28/11) às 10h da manhã a comunidade estará realizando uma PASSEATA EM PROTESTO E REINVINDICAÇÃO ao Poder Público pela aceleração das investigações e punição dos culpados pela morte trágica do inocente Joel Castro (10 anos) abatido em seu próprio quarto por duas balas ditas "perdidas".

Estive com os pais do garoto ontem à tarde (24/11) e hoje pela manhã (25/11) a fim de dar meu apoio pastoral. Fiquei com o coração partido em ver, de perto, o sofrimento daquela família. É, de fato, uma perda irreparável. Pois tenho um filho de 9 anos e peço toda hora a proteção de Deus sobre a vida dele.

Não podemos mais aceitar que continuemos sendo resultado das estatísticas frias e desumanas do absurdo número de morte por homicídio (doloso ou culposo) de quem quer que seja. Principalmente por aqueles que são pagos pelo Estado a fim de nos dar proteção. Afinal, somos cidadãos, pagamos impostos e "temos o direito de ir e vir"! Ou não? Mas o que vemos, a cada dia, é que a FAVELA ESTÁ SEMPRE NA MIRA DE QUEM DEVERIA NOS DAR PROTEÇÃO!



Pr. Henrique Coutinho.
Coordenador da Comissão da Criança,
do Adolescente e da Juventude da
ANNEB-BA (Aliança de Negras e Negros
Evangélicos do Brasil).

LÍDERES COMUNITÁRIOS (PR. HENRIQUE COUTINHO, WILL E PAIXÃO) SE SOLIDARIZAM COM OS PAIS E PARENTES DO GAROTO JOEL CASTRO (AO FUNDO, O QUARTO ONDE ACONTECEU A TRAGÉDIA!).


Henrique Coutinho dos Santos

27 de set. de 2010

Lima Barreto, um autor na contramão

Lima Barreto, um autor na contramão


Triste fim de um escritor talentoso e original, marcado pela tragédia



Lima Barreto / Foto: Reprodução

Pelos idos de 1920, os grupos elegantes de cariocas que costumavam fazer da Avenida Rio Branco o lugar predileto de suas flâneries cotidianas (assim, em francês, língua da moda então), deparavam às vezes com um espetáculo pouco habitual: o de um mulatão desleixado, sujo, ensebado e precocemente envelhecido, mais parecido com um pobre-diabo, quase um mendigo, a quem, no entanto, muitos transeuntes tiravam o chapéu, cumprimentando. Alguns até mesmo se detinham para conversar com ele durante bastante tempo, animadamente. Uma tarde – conta um poeta da época, Dante Milano –, algo mais espantoso ainda acontecera: um elegante carro preto encostara no meio-fio e dele saltara talvez o homem mais importante da cidade, o ex-senador e prefeito Paulo de Frontin, somente para trocar um dedo de prosa com aquele mulato quase negro, de face avermelhada pela bebida, um marginal andrajoso que não dispensava uma palheta amassada assentada na carapinha grisalha – o grande romancista e jornalista que atendia pelo sonoro nome de Afonso Henriques de Lima Barreto.

Infelizmente, o prestígio, o reconhecimento merecido e tardio que a sociedade parecia, enfim, lhe conceder, nada mais puderam fazer para prorrogar sua vida sofrida. Ele faleceria em 1922, aos 41 anos – como Kafka –, com o organismo completamente arruinado pela bebida e por doenças venéreas, marcando com o signo da tragédia uma página das mais importantes de nossa história literária.

Aquele que nunca foi rei

O nome Afonso Henriques não lhe foi dado, como se poderia pensar, em homenagem ao primeiro rei de Portugal. Só para se ter uma ideia da atmosfera racista e preconceituosa em que teve de viver, basta lembrar um fato relatado por seu melhor biógrafo, Francisco de Assis Barbosa: quando Lima cursava a Escola Politécnica (não chegou a se formar engenheiro), ouviu um aluno veterano comentar: “Vejam só! Um mulato ter a audácia de usar o nome do rei de Portugal...” Henriques era nome que lhe vinha de seu pai, João Henriques de Lima Barreto, um mulato que nascera liberto, filho de escrava com português. Sua mãe, a mulata Amália Augusta, era uma “cria” (possivelmente filha bastarda) da importante família Pereira de Carvalho.

João Henriques, aos 14 anos, já era um excelente tipógrafo e trabalhou em alguns jornais. Mais tarde, com a proteção de Afonso Celso de Assis Figueiredo, visconde de Ouro Preto, conseguiria obter um emprego de tipógrafo na Imprensa Nacional (então chamada apenas de Tipografia Nacional). Com o advento da República, porém, seu protetor, que chefiara o último gabinete monárquico, foi obrigado a exilar-se, e seu protegido foi demitido sumariamente por partilhar o credo monarquista. Como já tinha numerosa família, aceitou um emprego de almoxarife na Colônia de Alienados, situada na ilha do Governador. Nesse emprego manteve-se de 1891 a 1902, quando teve um surto psicótico e foi obrigado a aposentar-se. Todo o encargo da família caiu assim sobre os ombros do primogênito, Afonso, que aos 21 anos foi obrigado a interromper os estudos para cuidar dos irmãos, levando até o fim da vida também o fardo do pai esquizofrênico, encerrado em casa, extravasando seus delírios com gritos lancinantes. João Henriques, que tantos sonhos ambiciosos tivera em relação ao filho mais velho, acabou por se tornar o fator mais forte do fracasso de sua vida. Não resistindo à morte do filho, em 1922, faleceu apenas 48 horas depois dele, e ambos foram enterrados na mesma campa.

Lima Barreto não se casou nunca, e enveredou pelo caminho do alcoolismo muito cedo. Era um solitário, revoltado e deprimido, porque, dizia, “nunca amei nem fui amado”. Em tão penosas circunstâncias – pobreza, doença, frustração sexual e afetiva, exclusão social – desenvolveu, porém, os recursos de seu talento para retratar com pleno conhecimento as minúcias do Rio de Janeiro de sua época, uma sociedade eivada de contradições, marcada pela discriminação e pelo preconceito de várias ordens, em um quadro de total injustiça social.

Lima e Machado

O paralelismo entre as condições de vida em que os dois grandes escritores vieram ao mundo tem sido estabelecido por vários historiadores – separadas embora suas vivências pelo espaço de duas gerações, pois Machado de Assis já contava 42 anos quando Lima nasceu, justamente naquele ano de 1881 em que o bruxo do Cosme Velho, que já ajudara a fundar a Academia Brasileira de Letras, lançaria seu primeiro grande romance da maturidade, Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Os dois partilhavam o problema da pobreza, da origem humilde, da cor. Tanto um como outro ficaram órfãos de mãe muito cedo, Machado aos 10, Lima de 6 para 7 anos. Mas se Joaquim Maria encontrou logo na madrasta Maria Inês uma substituta carinhosa, o mesmo não aconteceu com Afonso, mais fundamente atingido pela tragédia e que confessava ter-se fechado irremediavelmente em si depois da morte da mãe, sem ter nunca mais “crises de alegria”. Em relação às mulheres, conservaria sempre uma timidez doentia, e só conseguia satisfazer seu apetite sexual com prostitutas de baixo nível.

Tiveram, ambos, padrinhos bem situados, políticos importantes, que lhes possibilitaram acesso à melhor sociedade. Porém, se Machado foi criado na casa de dona Maria José de Mendonça Barroso (viúva do senador Bento Barroso Pereira), com o maior carinho, da mesma proteção não gozou o afilhado de Afonso Celso de Assis Figueiredo, que até o primeiro prenome dele herdara. Na verdade, o orgulhoso e distante visconde somente aceitara o apadrinhamento usando seu estoque de solidariedade senhorial para com o humilde tipógrafo de cor, que o idolatrava. O menino Afonso muito pouco conheceu o aristocrático xará que lhe custeava os estudos. Sentia-se mesmo profundamente humilhado com essa situação de dependência. Relata ainda seu biógrafo “um encontro desastroso” entre os dois, quando já entre João Henriques e seu protetor político começavam a esfriar as relações de compadrio. Uma cena ficaria marcada como das lembranças mais desagradáveis da vida, na memória do escritor. O visconde havia deixado transparecer, na má vontade com que recebera pai e filho, o profundo desdém em que os tinha. Teria mesmo dito, em relação à grande ambição que João tinha de fazer o filho doutor: “Todo mundo quer ser doutor...” Em seu Diário Íntimo, muito mais tarde, Lima Barreto faria referência a uma antiga doação do benfeitor, nestes termos: “E os 10$000 do tal visconde. Idiota. Os protetores são os piores tiranos”.

Fosse lá como fosse, a generosidade de Afonso Celso, forçada ou não, permitiria ao menino Afonso ter o privilégio de uma educação formal (coisa que Machado de Assis nunca pôde ter) nos melhores colégios, primeiro em Niterói e depois no Rio de Janeiro, onde foi interno do tradicional Colégio Pedro II, criadouro dos rebentos das famílias abastadas e nobres da Corte.

No campo profissional, também não poderiam diferir mais as carreiras de um e de outro, tanto no jornalismo como na literatura – Machado, aos 16 anos, já contava com a proteção de importantes escritores, como Manuel Antonio de Almeida, e foi imediatamente introduzido e empregado na “grande imprensa” da época, onde sempre se manteve. Na literatura, nunca teve dificuldade de publicar e foi sempre respeitado – teve, sobretudo, tempo para amadurecer suas obras, inclusive por ter vivido muito mais que Lima Barreto. Com um emprego público estável, com a felicidade doméstica desfrutada com Carolina, as antigas condições consideradas “difíceis” de sua vida – pobreza, cor, orfandade, gagueira e epilepsia – foram satisfatoriamente minimizadas ou dissolvidas.

Já Lima Barreto, que partilhava com Machado circunstâncias raciais e econômicas, teve de cumprir um destino de “maldito”. Mesmo como jornalista e escritor, enfrentou sempre dificuldades para inserir-se na grande imprensa de seu tempo, sofreu discriminações de toda ordem, foi obrigado a limitar suas colaborações à imprensa alternativa e a publicar às próprias custas a maior parte de seus livros. E mesmo quando já firmava reputação como romancista, viu-se rejeitado duas vezes justamente “na casa de Machado de Assis” – a Academia Brasileira de Letras. Se Machado conseguiu, porém, manter isenção de julgamento com vistas à obra de Lima, este alimentou conscientemente sua posição crítica em relação à literatura machadiana, definindo seu estilo como “chocho” e seus personagens como “figuras ocas”.

Diferenças de temperamento e de sorte acabaram por colocar essas duas figuras de romancistas – considerados hoje os mais importantes de nossa literatura, antes do modernismo – em polos opostos em termos de sucesso/fracasso existencial. Porque, fator preponderante de desgraça, sobre Lima pairou inexoravelmente, desde muito cedo, também o fantasma da loucura familiar, uma terrível herança genética da qual nunca conseguiria se livrar e que terminaria por vitimá-lo.

A casa da loucura

Em importante tese de doutorado defendida na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Literatura da Urgência – Lima Barreto no Domínio da Loucura, e publicada em 2009 pela Annablume, Luciana Hildalgo examina em profundidade o relacionamento entre a doença mental e a obra do escritor. Ela concentra seu estudo nos escritos que Lima empreendeu ao ser pela segunda vez na vida internado por alcoolismo em um hospital psiquiátrico, em 1919 – o denominado Diário do Hospício, que depois aproveitaria em um romance que deixou inacabado, Cemitério dos Vivos. Nessa circunstância, a escrita teve uma função mais do que catártica para ele. Representou, como diz Luciana Hidalgo, “uma saída de emergência à abstinência, substituta da bebida”.

Salvo à força do delírio etílico, Lima pôde analisar a si próprio e também descrever a própria instituição psiquiátrica de maneira lúcida – com todas as suas incoerências, injustiças, contradições e abusos médicos, que só seriam totalmente expostos cerca de 40 anos mais tarde, por Michel Foucault e pela corrente da antipsiquiatria de Franco Basaglia.

O Hospital de Alienados da Praia Vermelha – fundado em 1852 por dom Pedro II – era, nas primeiras décadas do século passado, uma instituição de caráter carcerário, onde a violência contra os pacientes, inclusive física, era considerada elemento de cura, em um tempo anterior até mesmo a contenções mais científicas, embora também superadas mais tarde, como o eletrochoque. Nesse ambiente se buscava e conseguia a aniquilação da personalidade do paciente, sua integração no estereótipo do “louco”, um ser desprovido de vontade e discernimento, incapaz de gerir a própria vida.

Felizmente para o escritor, ele fora dotado de um temperamento que via na revolta, na contestação, o meio de lutar pela sobrevivência, pela não dissolução do ego. Assim, desde os primeiros dias desse período de internação – como nos descreve Luciana –, ele não se conformou por ter sido internado “como indigente” e tratado como pária social. Não tendo a princípio obtido apoio da equipe médica para suas reivindicações, usou inteligentemente de outros meios para conseguir uma inserção mais digna nas várias classes de internados – graças a um funcionário que trabalhara com seu pai, passou à seção Calmeil, que funcionava em um pavilhão onde ficava a biblioteca. Assim, não somente obteve um alojamento individual, mais condizente com sua condição, como autorização para passar seus dias lendo e escrevendo.

A reclusão hospitalar acabou por lhe proporcionar tempo e tranquilidade para ressuscitar tesouros enterrados na memória: por exemplo, lembrando-se do livro que mais adorara na infância, Vinte Mil Léguas Submarinas, de Júlio Verne, projetava a si próprio no misterioso e antropófobo herói, o capitão Nemo, do Nautilus – homem mítico, capaz de transformar seu submarino em um mundo paralelo. Como diz Luciana Hidalgo, também Lima, como Nemo, “imaginou-se fora da humanidade, um associal vivendo da ilusão do bem-estar à margem da civilização, sem ligação sentimental alguma no planeta”. Partindo dessa utopia, pôde examinar – aos 39 anos – sua existência até aquele momento, de maneira extremamente lúcida. Privado da bebida, estava livre para mergulhar no sonho lúcido que é a literatura.

O grande escritor

A obra completa de Lima Barreto compreende atualmente 11 livros, sendo quatro póstumos. Em 1919, já havia publicado cinco, entre eles seus principais romances, Recordações do Escrivão Isaías Caminha em 1909, Triste Fim de Policarpo Quaresma em 1915, e no próprio ano da segunda internação, 1919, Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá. São romances voltados para a realidade social e nos quais transparece a ideologia política que adotara desde cedo, o maximalismo antecessor do comunismo, o credo anarquista que o colocava ipso facto na posição de escritor marginal – para ele, a literatura tinha uma função social e o escritor não podia escapar à missão de combater a injustiça.

Com os dois livros que publicou ainda em vida após o período de internação, em especial o inacabado romance Cemitério dos Vivos (1920), as duas linhas de sua trajetória literária, a social e a introspectiva, convergem, enriquecendo de maneira extraordinária a perspectiva sob a qual toda a sua obra está atualmente sendo avaliada, inclusive no exterior.

Durante mais de três décadas após sua morte, Lima era ainda visto como um vago “predecessor do modernismo” e sua obra tida como malfeita, insatisfatória. Somente em 1956, com a publicação de sua obra completa em 17 volumes, sob a direção de Francisco de Assis Barbosa e com a colaboração de Antônio Houaiss e M. Cavalcanti Proença, Lima Barreto começou a ocupar o lugar que verdadeiramente lhe cabe em nossa história literária. Seus romances e contos têm sido traduzidos para o inglês, o francês, o russo, o espanhol, o tcheco, o japonês e o alemão. Teses de doutoramento o tiveram como tema nos Estados Unidos e na Alemanha. Congressos e conferências foram realizados em todo o Brasil, por ocasião de seu centenário de nascimento (1981), resultando em inúmeros livros publicados, entre ensaios, bibliografias e estudos psicológicos do autor e sua obra.

Pois, como afirma o crítico alemão Berthold Zilly em artigo escrito em 2006, “Lima Barreto e a Cultura Nacional”, por ocasião da comemoração dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, Triste Fim de Policarpo Quaresma redescobre o país, “com sua história, sua cultura, suas excelências, mas também com suas mazelas, seus desmandos e os possíveis meios de combatê-los”. A obra, diz Zilly, é uma grande indagação sobre o Brasil, capaz de estimular uma autorreflexão metacrítica sobre o caráter e os destinos da nação.

Diversos escritores jovens estudam hoje a obra de Lima Barreto em toda a sua complexidade, e são várias as teses já feitas ou em andamento nas universidades, tanto brasileiras como estrangeiras. Sua absoluta diferenciação do estilo de Machado de Assis não mais o coloca em posição de inferioridade, como foi anteriormente feito – mas possibilita que sejam ambos avaliados de maneira diversa, pelo valor e originalidade que apresentam em atitudes antitéticas na descrição da sociedade brasileira de seu tempo: Machado destrói a sociedade com um estilo sobriamente corrosivo e fino, enquanto Lima Barreto faz a mesma coisa com sua virulência passional.

Alfredo Bosi, após lhe consagrar dez páginas em sua História Concisa da Literatura Brasileira, classifica o conjunto de sua obra como “de amplo espectro”, por demonstrar “quanto Lima Barreto podia e sabia transcender as próprias frustrações e se encaminhar para uma crítica objetiva das estruturas que definiam a sociedade brasileira do tempo”. Por isso, acrescenta, “a obra de Lima Barreto significa um desdobramento do realismo no contexto novo da 1ª Guerra Mundial e das primeiras crises da República Velha. Sua direção de coerente crítica social seria retomada pelo melhor romance dos anos 1930.”

6 de set. de 2010

o olhar feminino


O que há no olhar feminino?

Na luz refletida pelos olhos femininos pode-se ver todo um matiz de
vivacidades irreproduzíveis em qualquer outro material.
Os olhos dos pássaros que caçam têm olhos que focam na frente, como os dos
humanos, enquanto os pássaros que são caçados possuem olhos em ambos
os lados da cabeça, para cobrir um grande campo de visão. E porque os olhos
das mulheres,sem se diferenciar tanto dos homens, são tão capazes de nos
fazer sentir o que por qualquer outro meio não pode ser sentido?
Para os oftalmologistas todos os olhos são iguais, crêem que não passam de
um mosaico de cristalinos, vasos, globos, órbitas, córneas, íris, retinas...mas há
diferenças. Isto pode confirmar quem já foi encarado por AQUELA mulher. Não
qualquer uma, mas aquela que, dentre milhões, nos escolheu para encarar. Em
tal situação especial, os olhos delas parecem mais brilhantes, mais vivos,
enuviados de mistério e mais coloridos...não importa se são azuis, verdes,
negros ou castanhos. Não são comuns, são os dela.
O encanto do homem pelo olhar feminino, independente de qualquer
maquiagem, não surgiu há alguns séculos atrás. É bem provável que nossos

ancestrais homo-sapiens já percebessem o reflexo das fogueiras nos olhos de
suas companheiras nas escuras noites do início dos tempos. E eles devem têlas
amado da forma que sua evolução sentimental,a aquela altura permitia.
Tão comunicativos quanto o corpo ou os gestos e a fala, os olhos das mulheres
podem ser encarados como uma ameaça. Bem sabiam disso os guerreiros
talibãs do Afeganistão que não contentes em cobrir todo o corpo de suas
mulheres com a burka usavam também uma tela, como acessório, para cobrirlhes
os olhos.
O olhar feminino é um tema recorrente na música, nas artes plásticas e na
literatura. Exemplo disso é a música "Este seu olhar" de Tom Jobim, o olhar da
Monalisa (1503) de Da Vinci, o das prostitutas em “As donzelas de Avignon”
(Les demoiselles d'Avignon, 1907) de Picasso ou o olhar esculpido, frio e
soberbo da Vênus de Milo (c. 130 a. C.). Há dois casos célebres na literatura
que podem significar uma questão de influência: "Os sofrimentos do jovem
Werther (Die Leiden des jungen Werthers, 1774)" de Goethe e "Dom
Casmurro" (1899) de Machado de Assis.
Os sofrimentos do jovem Werther é considerado por muitos, o romance que
deu origem ao romantismo e levou a uma onda de suicídios por toda a Europa.
A paixão profunda, não correspondida e tempestuosa do personagem inspirou
muitos escritores da geração romântica do mundo inteiro, dentre eles, o nosso
Álvares de Azevedo. Mas seria bom nos perguntarmos: por que não, o realista
Machado de Assis? Tudo bem, ele era realista...mas o tempo de sua infância
era romântico. E foi nesse ambiente que ele foi educado.
No livro de Goethe, o jovem Werther escreve uma série de cartas para seu
amigo Wilhelm. Lá o jovem aristocrático se encanta com a paisagem idílica e
os habitantes do lugarejo de Wahlheim. Certo dia indo a um baile, ele em um
coche vai buscar a bela Charlotte S...(este artifício de não terminar nomes
também foi usado por Joaquim Manuel de Macedo) e passa o resto do livro em
delírios, idealizando a amada e se encantado pelos olhos de "Lotte". Chama a
atenção no livro o fato de Lotte ter olhos negros,porque Werther a eles se
refere constantemente em passagens como:
• "como me deleitava, durante a conversa, com aqueles olhos negros...como toda minha alma era atraída pelos lábios vívidos e pela
magnitude de seus pensamentos, não ouvia as palavras com as quais
ela se expressava...";
• "(...) Deus sabe com que deleite, via-me preso em seus braços e nos
seus olhos repletos da mais verdadeira expressão do mais puro e mais
sincero prazer(...)";

• "Ela apoiou nos cotovelos e seu olhar percorreria a paisagem; olhou
para o céu e para mim e vi os seus olhos cheios de lágrimas(...)";
E olhei novamente para seus olhos (...)";
• "Foi o mais magnífico nascer do sol. A floresta úmida e os campos
frescos! As nossas acompanhantes adormeceram. Ela perguntou se eu
não queria fazer o mesmo; poderia ficar despreocupado com ela.
Enquanto vir esses olhos abertos”, disse-lhe e fitei-a “não há perigo de
fechar os meus”.
E há outras referências mais sobre os olhos de Lotte por todo o livro. Para não
estragar a leitura de quem ainda não leu este excepcional romance da literatura
alemã, deve-se esclarecer apenas que Charlotte antes de conhecer Werther
era noiva de um "homem muito distinto" e candidato a um cargo importante que
estava em viagem de negócios.

30 de ago. de 2010

cotas nas universidades federais

70% das faculdades públicas já adotam cotas ou bônus Em 77% dos casos, decisão de adotar política partiu da própria instituição

Levantamento feito por pesquisadores do Rio mostra que estudantes de escolas públicas são os mais beneficiados

ANTÔNIO GOIS
DO RIO

Mesmo sem lei federal que as obrigue a isso, sete em cada dez universidades públicas no Brasil já adotam algum critério de ação afirmativa, seja ele cota ou bônus no vestibular para alunos de escolas públicas, negros, indígenas e outros grupos.
O levantamento foi feito pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos, ligado à Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
De 98 universidades federais e estaduais, 70 adotam ação afirmativa (71%). Em 77% dos casos, a decisão de adotar cotas ou bônus surgiu da própria universidade.
Em apenas 16 instituições, a ação foi motivada por uma lei estadual. Não há lei federal -um projeto tramita no Congresso- que obrigue estabelecimentos da União a adotar cotas ou bônus.
O trabalho mostra também que são alunos de escolas públicas os mais beneficiados e que as cotas são mais utilizadas do que os bônus.
No caso das universidades que trabalham com cotas raciais, o critério utilizado para definir quem é negro ou indígena é quase sempre (85% dos casos) a autodeclaração.
Nos demais, há exigência de fotografias ou comissões de verificação, métodos polêmicos por barrar candidatos que se consideram negros.
Para João Feres Júnior, um dos pesquisadores, em quase todas as 40 universidades que beneficiam negros, há preocupação de evitar que as vagas sejam ocupadas pelos de maior renda -o candidato deve comprovar carência ou estudo em escola pública.

DEBATE
Para ele, o crescimento de instituições que, sem a obrigação legal, adotam ações afirmativas reflete o amadurecimento do debate sobre a desigualdade racial no país.
Ele diz que, quando coordenou o Diretório Central de Estudantes da Unicamp, em 1986, o tema não era discutido nem nas ciências sociais. "Não passava pelas nossas mentes discutir a pauta."
Mesmo quem se beneficiou do avanço nas políticas de ação afirmativa aponta a falta de debate. É o caso de Wellington Oliveira dos Santos, 25, que se formou em psicologia em 2009 na Universidade Federal do PR, onde ingressou na cota para negros.
Santos reclama que, na época de sua graduação, não houve debates em seu curso sobre os motivos que estão levando as universidade públicas à adoção das cotas.

Colaborou DIMITRI DO VALLE, de Curitiba


Criação de lei federal divide a opinião de especialistas

Ex-presidente do IBGE diz que lei prejudica autonomia universitária

Apesar de não haver dados consolidados, cotistas da Uerj e UFPR têm notas semelhantes às dos demais alunos

DO RIO
DE CURITIBA

O fato de a maioria das universidades com ações afirmativas adotar a prática por iniciativa própria divide especialistas sobre a necessidade de uma lei federal.
Para Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE e pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade no RJ, uma lei federal é desnecessária e desrespeita a autonomia universitária.
"É melhor ver isto acontecer por um movimento espontâneo do que por uma lei que obrigue todas a adotarem um critério que coloque uma camisa de força", diz.
Já Renato Ferreira, gerente de projetos da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, defende uma lei por entender que, em algumas universidades, os critérios ainda são tímidos.
"Sem uma lei que regule o tema, demoraremos muito mais tempo para promover a igualdade que desejamos."

BENEFICIADOS
Como a maioria adotou cotas ou bônus há menos de quatro anos, não há dados consolidados sobre o desempenho dos beneficiados.
Na Uerj, uma avaliação mostrou que os alunos cotistas têm menor evasão e notas semelhantes aos demais na maioria dos cursos.
Na UFPR (Universidade Federal do Paraná), estudantes negros e oriundos de escolas públicas têm conseguido, na média, o mesmo rendimento nas avaliações que os outros universitários.
O sistema de cotas na UFPR, aprovado em 2003 por iniciativa da própria instituição, tem 8.000 beneficiados num total de 22 mil alunos.
Para o professor Paulo Vinícius Batista da Silva, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da UFPR, ainda há desafios a serem superados. "Os cotistas são alvos de desconfiança."

ANÁLISE

Universidades precisam ter autonomia e fazer o acompanhamento dos alunos

CIBELE YAHN DE ANDRADE
ESPECIAL PARA A FOLHA

A educação pode ser considerada, por um lado, como um dos principais mecanismos de mobilidade social.
A efetividade deste depende essencialmente de que o acesso e o desempenho escolar não reproduzam as desigualdades em relação à renda familiar e à condição de raça e cor, entre outras que marcam a heterogeneidade da população brasileira.
No entanto, o maior impacto da educação, sobretudo superior, é o produzido no desenvolvimento cultural, que pode se traduzir em desenvolvimento econômico.
Desenvolver o ensino superior é estratégia essencial ao interesse público mais elevado e não somente algo que se defina no âmbito do interesse privado, da ascensão social dos indivíduos.
As universidades podem ter motivações diferentes para selecionar seus alunos. Mas a ação efetiva da educação no indivíduo não termina no fim do curso superior.
Aí se iniciam os desafios do aprendizado constante. Este ponto é fundamental e pode ser mal compreendido. A aceitação do vestibular como mecanismo isento de seleção, valioso num país acostumado a privilégios, tende a fazer crer que o melhor aluno é aquele com a nota mais alta e isso confunde bom desempenho num exame com capacidade de desenvolvimento intelectual.
Este último pode ser encontrado num leque mais amplo de estudantes de origens diversas. O que boas universidades devem buscar é a composição equilibrada de -conhecimento de conteúdos fundamentais e capacidade de desenvolvimento intelectual. O desafio só pode ser enfrentado com autonomia das universidades e estudos de acompanhamento dos selecionados em processos regulares ou em ações afirmativas formulados para corresponder a seus objetivos e propósitos maiores.

CIBELE YAHN DE ANDRADE é pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp

29 de mai. de 2010

PROCURA DA POESIA


Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Carlos Drummond de Andrade

NÃO SE MATE

Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê,
pra quê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém, ninguém sabe nem saberá.

Carlos Drummond de Andrade

7 de mar. de 2010

Poesia marginal dos anos 70 ganha antologia e dialoga com novos poetas

DANIEL BENEVIDES
Colaboração para o UOL
Os anos 70 ficaram marcados pela truculência da ditadura, mas também pelo chamado desbunde, versão mais debochada do movimento hippie. Essa dicotomia entre desencanto e celebração da vida ficou bem evidente nos versos dos poetas da época, ditos marginais: ao mesmo tempo em que resistiam à repressão com espírito utópico e ironia típicos da contracultura, buscavam a intensidade prosaica das experiências sensoriais - o popular sexo drogas e o que mais "pintar". O tom era coloquial, despretensioso, libertário.
  • Divulgação

    Antologia "Destino: Poesia" (esq.) resgata poesia marginal dos anos 70; os novos "Logocausto" (c) e "Esquimó" dialogam, mesmo que por contraste, com a poesia da contracultura

Ana Cristina César, Cacaso, Torquato Neto, Waly Salomão e Paulo Leminski, agora reunidos nessa pertinente e divertida antologia organizada pelo crítico Italo Moriconi, tinham esses traços em comum, cada qual à sua maneira.

Ana Cristina e Torquato pintavam seus poemas com cores um tanto mais escuras, reveladoras de um desespero íntimo, um desentendimento grave com a vida. Por mais que tentassem infiltrar certo humor em seus escritos - e, no caso de Torquato, a melodia que gerou algumas canções memoráveis, o que sobressaía era quase um pedido de socorro. Ambos aceleraram de encontro ao suicídio. Tornaram-se mitos românticos, na acepção ampla da palavra.

Cacaso e Leminski pendiam mais para o poema bem-humorado, feito de frases curtas, ritmo leve, ideias originais. O primeiro, conterrâneo e, em certo sentido, herdeiro de Drummond, buscava o riso inteligente, o comentário ácido, muitas vezes de cunho político. Já o curitibano Leminski, um dos mais cultuados até hoje dentre os cinco, tinha um estilo único, algo entre o beatnik e o concretismo, entre a confissão embriagada e o sóbrio hai kai.

Waly Salomão, por sua vez, era o tropicalista do grupo, o mais colorido, expansivo, performático. Seus poemas tinham aquele jeito de conversa meio louca, um pouco como no caso de Ana Cristina, que no entanto era mais experimental, "difícil".

"Destino: Poesia", com ótima introdução de Moriconi e pequenas biografias dos poetas, é um retrato fiel da poesia dos 70, cúmplice da música popular, diversa mas unida na resistência à violência dos militares e à sisudez dos "caretas". Vale por cada flash em technicolor.

Dois novos
Leandro Sarmatz e Fabrício Corsaletti são dois poetas nascidos nos 70 que de certa forma dialogam, mesmo que por contraste, com a poesia do desbunde e da contracultura. Dos dois, o gaúcho Sarmatz, com seu breve e valioso "Logocausto" (Editora da Casa), uma reunião de poemas que foi dilapidando ao longo dos anos, é o menos ligado à geração do mimeógrafo, como também ficaram conhecidos os contemporâneos de Torquato Neto e Ana Cristina César. Se é que se pode falar em filiação, ele está mais para o modernismo anterior, "estrangeiro", de Cummings, Celan e William Carlos Williams. Seus poemas, elaborados com rigor autocrítico, são revestidos de ironia sofisticada (no melhor dos sentidos), e permeados por cultas referências literárias. A condição judaica - como sugere o neologismo do título, é um tema presente em cada linha, implícita ou diretamente. Para encarar a história sofrida de seus antepassados, o autor, também dramaturgo, chega a inventar uma nova ciência dos sentimentos: a "Ecologia da Memória", ao mesmo tempo em que desconfia da religião e seu "messias fajuto". Com um pessimismo que não dispensa o humor e até a escatologia, declara que "toda graça está no achar-se em meio à perda" e que as palavras são "uma praga, um lamento surdo: um exílio".

Já Corsaletti talvez ficasse mais à vontade entre os poetas brasileiros dos 70. Tal como Leminski e Cacaso, pratica o verso curto, de ideias bem-humoradas e diretas, às vezes próximas de um slogan surreal ou existencialista, ou mesmo da piada, que surte efeito imediato. Os poemas de "Esquimó" (Companhia das Letras), claros, concisos, sugerem espaços livres das sombras, em meio a uma floresta de possibilidades. Nos melhores momentos atingem o nervo (mas com anestesia): "- meu único gesto sincero/ depende de garfo e faca". Também adepto das referências - no caso, mais "pop", o autor recorre a um certo minimalismo, com variações sutis e repetições eloquentes. E "comete" divertidos poemas de amor e desejo, como na declaração à atriz Eva Green, em "Plano", e no poema final, o melhor do livro, "Seu Nome", no qual o nome da amada, nunca dito, batiza todas as coisas.



"DESTINO - POESIA"
Autor: Diversos
Editora: José Olympio
Páginas: 160
Preço: R$ 28

"LOGOCAUSTO"
Autor: Leandro Sarmatz
Editora: Editora da Casa
Páginas: 36
Preço: R$ 12

"ESQUIMÓ"
Autor: Fabrício Corsaletti
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 80
Preço: R$ 31

4 de mar. de 2010

Quatro décadas de corrupção, pobreza e abusos no futebol brasileiro

Ano de Copa do Mundo é sempre garantia de bons lançamentos na área editorial. O primeiro tiro certeiro de 2010, indispensável para estudantes de jornalismo e interessados em jornalismo esportivo, é “11 Gols de Placa – Uma seleção de grandes reportagens sobre o nosso futebol”, organizado pelo jornalista Fernando Molica.

O livro reúne onze trabalhos de fôlego sobre o “lado B” do futebol brasileiro, ou seja, sobre os graves e perpétuos gols contra que vem marcando ao longo do tempo. Como escreve Molica, explicando a sua seleção, é “uma escalação que mistura corrupção, pobreza, desemprego, falsificação de documentos, abuso e exploração de menores”.

A primeira reportagem é o premiado texto de João Maximo, “Futebol brasileiro: o longo caminho da fome à fama”, publicado no “Jornal do Brasil”, em 1967, no qual o jornalista descreve os sérios problemas de saúde – de subnutrição a sífilis – que enfrentavam então os jogadores dos principais clubes brasileiros.

O livro traz ainda uma segunda série publicada no final da década de 60, “O Jogador é um escravo”, na qual Michel Laurence, José Maria de Aquino e Luciano Ornellas mostraram, em “O Estado de S.Paulo”, como os jogadores de futebol se submetiam ao desígnio de dirigentes esportivos, aceitando tratamentos médicos criminosos, assinando contratos em branco e não recebendo os seus direitos básicos.

"11 Gols de Placa" dá, então, um salto até a década de 90, e apresenta reportagens sobre assuntos que o leitor deve se recordar. Para citar apenas algumas, há a série de “O Globo”, assinada por Marco Penido e equipe, sobre corrupção e negociação de resultados na Federação de Futebol do Rio de Janeiro, e a descoberta, por Sergio Rangel e Juca Kfouri, da “Folha de S.Paulo”, das contas furadas da CBF e do contrato da entidade com a Nike.

Entrando no século XXI, a seleção de Molica mostra a persistência de velhos problemas. A série de Diogo Olivier Mello, publicada no “Zero Hora”, em 2001, revela as desigualdades sociais no mundo da bola, além dos graves problemas que jogadores enfrentam durante e ao final da carreira. O livro se encerra com a reportagem de Andre Rizek e Thais Oyama, publicada em “Veja”, em 2005, sobre a “máfia do apito” montada para fraudar resultados de partidas de futebol.

Todas as reportagens são acompanhadas de textos introdutórios, preparados especialmente pelos autores para o livro, nos quais revelam o “making of” do trabalho que realizaram e contam bastidores não incluídos nos textos.

“11 Gols de Placa” (378 págs., R$ 49,90) é o terceiro título de uma parceria entre a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a editora Record, que já rendeu também “10 Reportagens que Abalaram a Ditadura” e “50 Anos de Crime”.

2 de mar. de 2010

Se os Tubarões Fossem Homens

Bertold Brecht

Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentís com os peixes pequenos. Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais. Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim de que não moressem antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.

Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões. Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência. Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista. E denunciaria imediatamente os tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.

Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros.As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões existem gigantescas diferenças. Eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro. Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.

Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões.A música seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes e a orquestra na frente, entrariam em massa para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos. Também haveria uma religião ali.

Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião. E só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida. Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões, pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar. E os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante. Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.

***

Um Homem Pessimista

Um homem pessimista
É tolerante.
Ele sabe deixar a fina cortesia desmanchar-se na língua
Quando um homem não espanca uma mulher
E o sacrifício de uma mulher que prepara café para
seu amado
Com pernas brancas sob a camisa -
Isto o comove.
Os remorsos de um homem que
Vendeu o amigo
Abalam-no, a ele que conhece a frieza do mundo
E como é sábio
Falar alto e convencido
No meio da noite.

...

Esse Desemprego

Meus senhores, é mesmo um problema

Esse desemprego!

Com satisfação acolhemos

Toda oportunidade

De discutir a questão.

Quando queiram os senhores! A todo momento!

Pois o desemprego é para o povo

Um enfraquecimento.

Para nós é inexplicável

Tanto desemprego.

Algo realmente lamentável

Que só traz desassossego.

Mas não se deve na verdade

Dizer que é inexplicável

Pois pode ser fatal

Dificilmente nos pode trazer

A confiança das massas

Para nós imprescindível.

É preciso que nos deixem valer

Pois seria mais que temível

Permitir ao caos vencer

Num tempo tão pouco esclarecido!

Algo assim não se pode conceber

Com esse desemprego!

Ou qual a sua opinião?

Só nos pode convir

Esta opinião: o problema

Assim como veio, deve sumir.

Mas a questão é: nosso desemprego

Não será solucionado

Enquanto os senhores não

Ficarem desempregados!

10 de jun. de 2009



DEFENESTRAR


LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO




Certas palavras têm o significado errado. Falácia, por exemplo, devia ser o nome de alguma coisa vagamente vegetal. As pessoas deveriam criar falácias em todas as suas variedades. A Falácia Amazônica. A misteriosa Falácia Negra. Hermeneuta deveria ser o membro de uma seita de andarilhos herméticos. Onde eles chegassem, tudo se complicaria.
-- Os hermeneutas estão chegando!
-- Ih, agora é que ninguém vai entender mais nada...
Os hermeneutas ocupariam
a cidade e paralisariam todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixariam a população prostrada pela confusão. Levaria semanas até que as coisas recuperassem o seu sentido óbvio. Antes disso, tudo pareceria ter um sentido oculto.
-- Alô...
-- O que é que você quer dizer com isso?
Traquinagem devia ser uma peça mecânica.
-- Vamos ter que trocar a traquinagem. E o vetor está gasto.
Plúmbeo devia ser um barulho que o corpo faz ao cair na água. Mas nenhuma palavra me fascinava tanto quanto defenestração. A princípio foi o fascínio da ignorância. Eu não sabia o seu significado, nunca lembrava de procurar no dicionário e imaginava coisas. Defenestrar devia ser um ato exótico praticado por poucas pessoas. Tinha até um certo tom lúbrico.
Galanteadores de calçada deviam sussurrar no ouvido das mulheres:
-- Defenestras?
A resposta seria um tapa na cara. Mas algumas... Ah, algumas defenestravam.
Também podia ser algo contra pragas e insetos. As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa. Haveria, assim, defenestradores profissionais. Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas palavras que encerravam os documentos formais? "Nestes termos, pede defenestração..." Era uma palavra cheia de implicações. Devo até tê-la usado uma ou outra vez, como em:
-- Aquele é um defenestrado.
Dando a entender que era uma pessoa, assim, como dizer? Defenestrada. Mesmo errada, era a palavra exata. Um dia, finalmente, procurei no dicionário. E aí está o Aurelião que não me deixa mentir. "Defenestração" vem do francês "defenestration". Substantivo feminino. Ato de atirar alguém ou algo pela janela.
Ato de atirar alguém ou algo pela janela! Acabou a minha ignorância mas não a minha fascinação. Um ato como este só tem nome próprio e lugar nos dicionários por alguma razão muito forte. Afinal, não existe, que eu saiba, nenhuma palavra para o ato de atirar alguém ou algo pela porta, ou escada abaixo. Por que, então, defenestração?
Talvez fosse um hábito francês que caiu em desuso. Como o rapé. Um vício como o tabagismo ou as drogas, suprimido a tempo.
-- Lês defenestrations. Devem ser proibidas.
-- Sim, monsieur le Ministre.
-- São um escândalo nacional. Ainda mais agora, com os novos prédios.
-- Sim, monsieur lê Mnistre.
-- Com prédios de três, quatro andares, ainda era possível. Até divertido. Mas, daí para cima vira crime. Todas as janelas do quarto andar para cima devem ter um cartaz: "Interdit de defenestrer". Os transgressores serão multados. Os reincidentes serão presos.
Na Bastilha, o Marquês de Sade deve ter convivido com notórios defenestreurs. E a compulsão, mesmo suprimida, talvez ainda persista no homem, como persiste na sua linguagem. O mundo pode estar cheio de defenestradores latentes.
-- É essa estranha vontade de jogar alguém ou algo pela janela, doutor...
-- Humm, O Impulsus defenestrex de que nos fala Freud. Algo a ver com a mãe. Nada com o que se preocupar -- diz o analista, afastando-se da janela.
Quem entre nós nunca sentiu a compulsão de atirar alguém ou algo pela janela? A basculante foi inventada para desencorajar a defenestração. Toda a arquitetura moderna, com suas paredes externas de vidro reforçado e sem aberturas, pode ser uma reação inconsciente a esta volúpia humana, nunca totalmente dominada. Na lua-de-mel, numa suíte matrimonial no 17º andar.
-- Querida...
-- Mmmm?
-- Há uma coisa que preciso lhe dizer...
-- Fala, Amor
-- Sou um defenestrador.
E a noiva, em sua inocência, caminha para a cama:
-- Estou pronta para experimentar tudo com você! TUDO!
Uma multidão cerca o homem que acaba de cair na calçada. Entre gemidos, ele aponta para cima e babulcia:
-- Fui defenestrado...
Alguém comenta:
-- Coitado. E depois ainda atiraram ele pela janela?
Agora mesmo me deu uma estranha compulsão de arrancar o papel da máquina, amassá-lo e defenestrar esta crônica. Se ela sair é porque resisti.