1 de mai. de 2015

                       PEDRAS NA INFÂNCIA

Bom, você com certeza leu o título e se pergunta agora: o que ele quer dizer com “pedras da infância”?
Chamo de “pedras da infância” tudo aquilo que foi colocado em nossa “mochila” quando ainda éramos pequenos e à medida que fomos crescendo, coisas que nos foram dadas ou mesmo impostas como condição para sobreviver e para ser aceito no seio da família e da sociedade. Essas pedras não são boas, mas foram necessárias, pois precisamos delas na infância para que possamos crescer, ficar fortes e adultos e caminhar com as próprias pernas.
Acredito que todo ser humano nasce com um espírito livre, mas um corpo frágil, pequeno, indefeso e dependente (em primeira linha dos pais). E nosso espírito sabe que é preciso proteger esse corpo para que ele um dia se torne robusto o suficiente para finalmente ser igualmente livre, como nosso espírito. E assim aceitamos as regras, tropeçamos nas pedras colocadas em nossos caminhos e carregamos nas costas aquelas depositadas em nossa “mochila”. Essas pedras são praticamente as estratégias que desenvolvemos para que possamos sobreviver, como, por exemplo, aquela pedra que uma criança recebe do pai colérico, que não gosta que a criança fale alto e dá bronca gratuita quando isso acontece. Assim, a criança aceita a pedra “fale baixo para não levar bronca do pai”, se tornando então alguém que fala baixo e que estremece só de ouvir alguém falando alto.




Ou mesmo a pedra que uma criança recebe dos pais quando conta uma história fictícia, fruto da fantasia inerente à infância, mas é repreendida por estar “mentindo”. Assim a criança recebe a pedra “fantasia é mentira!”. Ou mesmo quando uma criança chega em casa com o boletim da escola com notas boas. Essa criança vê então a alegria dos pais, que saem mostrando o boletim a todo mundo, aos parentes, aos vizinhos, para que todos vejam o quanto seu filho ou sua filha é inteligente. Assim, sem que se perceba e mesmo que a intenção dos pais seja boa, a criança recebe a pedra “seja boa na escola para ver seus pais felizes!”.
Fico no exemplo da criança com boas notas na escola. Poderíamos pensar que esse elogio dos pais seria uma coisa boa e, em princípio, isso é verdade. Mas o que acontece então quando a criança não consegue manter suas notas boas e termina “fracassando” em uma ou outra matéria? Bom, depende então do tamanho assumido pela pedra do elogio dos pais: se ela for pequena, a criança pode até sentir um pouco de vergonha, mas sem maiores complicações. Mas se o elogio dos pais tiver se tornado para a criança uma pedra grande e pesada, a vergonha será enorme e a criança fará de tudo para esconder a nota ruim dos pais, mentindo, disfarçando e fugindo da realidade, sem perceber que com isso a pedra só fica ainda maior e mais pesada. E é esse crescimento que é problemático, pois, a depender do meio no qual vivemos quando crianças e do nível de maturidade de nossos pais e das pessoas à nossa volta, ele pode se tornar um crescimento selvagem, uma excrescência, fazendo com que uma pedra (ou mesmo várias) cresça tanto que um dia, mesmo já adultos, nos encontremos praticamente embaixo dela, tendo então muita dificuldade de se livrar novamente desse peso.
sísifoQuero dizer que nosso sofrimento como pessoas adultas tem muitas vezes sua origem nessas pedras da infância, que recebemos e que tivemos que carregar conosco durante muitos anos, na verdade décadas, na verdade nossa vida inteira até aqui, sem que muitas vezes percebamos que nosso corpo já cresceu, não é mais tão frágil, que já nos tornamos adultos e, ao invés de finalmente juntar essa liberdade do corpo à liberdade do espírito do momento em que nascemos e sermos finalmente livres em plenitude, mantemos nosso corpo preso a essas pedras, prendendo assim igualmente o espírito, e aquele ser humano que nasceu “meio livre”, com espírito livre e corpo dependente, se torna um prisioneiro completo, encarcerado em sua infância, detido por suas próprias pedras. A solução para muitos de nossos problemas atuais seria então reconhecer que estamos carregando essas “pedras da infância”, que não são mais necessárias, pois já ficamos adultos, abrindo a mochila, esvaziando-a e continuando a caminhar, ou melhor ainda: voando, livre, leve e solto, começando finalmente a ser feliz.
Há pedras de todas as cores, formas e tamanhos. Umas são pequenas e fáceis de carregar, outras são grandes e são carregadas com muito sacrifício. Umas são tão pequenas que passamos sem problemas por cima delas, outras são tão enormes que bloqueiam nosso caminho. Umas são feias, outras são brilhantes e lindas e já outras são muito feias, mas parecem bonitas porque queremos vê-las assim. Mas todas elas têm algo em comum: elas pesam e, como tudo que pesa, elas atrapalham nossa andança neste mundo.
Há vários tipos de “pedras da infância” que costumamos carregar conosco, umas menos, outras extremamente pesadas, umas lisas, outras extremamente ásperas. Aqui apenas algumas delas:
– É aquela pedra que uma menina recebe da mãe, que mesmo mal casada e sofrendo, defende a tese de casamento não pode ser desmanchado de forma alguma. A criança cresce então com essa pedra, casa-se mais tarde com o homem errado, mas não se separa por causa da pedra “casamento é eterno, mesmo que se sofra” recebida da mãe;
– É aquela pedra que um garoto sensível recebe do pai quando esse diz que “homem não chora”, fazendo com que o menino perca realmente essa capacidade ou passe a chorar escondido, mesmo mais tarde, como homem adulto;
– É aquela criança que cresce em um ambiente violento e recebe a pedra “violência é normal”;
– É aquela pedra que uma menina recebe da mãe frustrada quando essa diz que “todo homem não presta!”;
– É aquela “pedra da decepção” e a “pedra da perda de confiança” enorme que uma criança recebe quando confia em uma pessoa adulta de sua família, mas é abusada sexualmente;
– É aquela “pedra do medo” que uma criança recebe quando tem um pai ou mãe altamente cuidadosa, que nunca a deixa brincar do lado de fora;
– É aquela “pedra da rejeição” dada pela mãe ou pelo pai quando a criança se comporta de uma forma diferente da esperada e o pai ou a mãe diz então que “preferia não ter um filho (ou filha)”;




– É aquela “pedra da fofoca e da inveja” recebida pela criança que cresce em uma família fofoqueira e invejosa;
– É a “pedra do racismo” quando uma criança escuta constantemente em casa que pessoas com outra cor de pele não têm o mesmo valor;
– É a pedra “não vale a pena ser honesto” quando uma criança rouba e os pais passam a mão pela cabeça, deixando valer a desonestidade;
– É a pedra “não há justiça no mundo” quando pais tratam filhos de forma diferente, favorecendo uns, prejudicando outros.
Essas pedras são nossos medos, nossa solidão, nossa insegurança. nossos conceitos errados, nossa frustação, enfim, todas essas coisas que adquirimos na infância.
Bom, exemplos não faltam. Mas prefiro contar uma história concreta, que ilustra bem como as pedras de nossa infância podem nos fazer sofrer como adultos:
Conheci uma mulher muito inteligente, com um coração do tamanho do mundo, uma pessoa muito agradável e que teria de tudo para ser feliz. Mas não era. Ela tinha problemas sérios de saúde e sofria de muito de problemas físicos, sem que nenhum médico descobrisse o que ela tinha, restando somente a possibilidade dela sofrer de um mal psicossomático. Bom, como ela tentava de tudo para parar de sofrer, ela aceitou esse diagnóstico e iniciou uma psicoterapia. Muitos meses depois, após passar por uma fase difícil de autoconhecimento e reflexão com ajuda do psicoterapeuta, ela descobriu o que a fazia sofrer:
Quando criança, ela sentia muita falta de receber carinho do pai, que era uma pessoa extremamente intelectual, distante emocionalmente e muito severa com os filhos. Ainda pequena, ela colocou na cabeça que queria escutar do pai que ele a amava e fazia de tudo para agradá-lo, sem sucesso, pois o pai se mantinha reservado nesse sentido. Pois bem, ela foi tentando, tentando, tentando… E a “pedra” foi crescendo… Um dia ela se tornou uma mulher adulta, mas o comportamento era o mesmo, pois ela continuava tentando agradar ao pai e pior ainda: também ao marido, ao chefe e a todas as figuras masculinas em sua vida (até mesmo ao filho!) – aqui vemos como a pedra cresceu! Mas nada adiantou: um belo dia, o pai faleceu sem dizer à filha que a amava e, como ela então sabia inconscientemente que jamais escutaria o que esperava, ela adoeceu, teve uma forte depressão e seus problemas físicos pioraram. Hoje, essa mulher tem 45 anos de idade e continuava sofrendo com isso, sem entender direito por que. Com ajuda da terapia, ela descobriu que estava tão agarrada a essa “pedra da infância” que não conseguia ser feliz. E essa infelicidade fez com que ela terminasse adoecendo, já que a pedra a prendia e evitava que ela fosse livre, tanto no nível espiritual como no nível físico. Somente após reconhecer isso é que ela teve a coragem e a força de simplesmente largar a pedra que recebera do pai (através de sua incapacidade de dizer que a amava!), percebendo que era uma “pedra da infância” não mais necessária na vida adulta, que a segurava em sua caminhada, evitando que ela pudesse ser realmente feliz. Foi um processo difícil e doloroso, mas que valeu a pena, pois hoje ela está bem, mais feliz, mesmo que a “pedra” do pai tenha deixado marcas, mesmo que a tristeza de nunca ter escutado do pai o que tanto queria escutar ainda exista. Largar uma pedra não significa esquecer o motivo de sua existência, mas sim aceitar que ela existe, mas faz parte do passado e não tem mais importância no presente e muito menos no futuro. Sua decisão de largar essa pedra (= aceitar que teve um pai que nunca disse que a amava!) permitiu que ela finalmente conseguisse deixar de carregar consigo um sofrimento do passado, voltando a sentir a liberdade de seu espírito e assim voltando também a se sentir saudável, livre fisicamente, e feliz.
Pode ser você prefira insistir em carregar as suas “pedras da infância”, talvez por costume ou medo. Não haveria nada de errado nisso, pois cada um tem o direito de carregar suas pedras pelo tempo que quiser ou precisar, mas talvez valesse a pena refletir que sentido faz carregar uma mochila pesada, cheia de coisas (pedras) que não lhe têm (mais) qualquer utilidade. Assim, lhe peço: dê uma parada você também. Verifique em você e em sua vida quais as “pedras” que você ainda carrega consigo e perceba quais delas lhe fazem mal e lhe impedem de caminhare quais as que não atrapalham. Depois, abra a “mochila” e tire uma por uma, livrando-se do que lhe prende, evitando que você seja feliz. Vou até mais longe e proponho um exercício prático: pegue realmente uma mochila, procure pedras e coloque-as dentro da mochila, dando a cada uma delas um nome: esta pedra é a “pedra do medo” que eu sentia quando era criança, esta outra é a “pedra da solidão”, já que me senti muito só na infância, já esta outra é a “pedra da expectativa de minha mãe”, que fez com que eu vivesse minha vida de acordo com o que ela esperava e não conforme meus sonhos e desejos, e assim por diante. Depois, escolha um lugar especial, o lugar da despedida, vá até lá com a mochila e se livre das pedras, uma por uma, deixando-as lá e voltando para casa com a mochila vazia. Isso não vai resolver seus problemas completamente, já que é preciso tempo para consertar o que foi quebrado por uma vida inteira, mas será um bom começo para seu crescimento e para sua libertação pessoal.

3 de ago. de 2014


TENDO DOS MILAGRES

 JORGE AMADO(ROMANCE 1969)





Sabemos que uma das funções da arte é re-significar o já criado, e estabelecer novos diálogos entre o passado e o presente, engendrando uma nova leitura onde os elementos estruturais de um texto passam a ser os elementos estruturais do outro, na intrincada rede de fios narrativos e poéticos. O romance Tenda dos milagres de Jorge Amado, publicado em 1969, oferece-nos uma gama de possibilidades de leitura, dentre as quais destacamos o diálogo estabelecido entre a cultura popular praticada em Salvador e o discurso científico desenvolvido.
Tenda dos milagres é, basicamente, a narrativa das proezas e dos amores de Pedro Arcanjo, mestiço pobre, bedel da Faculdade de Medicina da Bahia, que se converte em estudioso apaixonado de sua gente, publicando livros sobre o sincretismo genético e cultural do povo baiano. De leitor e autodidata Pedro Arcanjo ascende à posição de autor cujos livros são referência no combate ao racismo e à repressão à cultura afro-brasileira. Ao lidar pioneira e francamente com tais temas, Arcanjo cai sob a mira da elite “branqueada” da Bahia. É perseguido. Perde o emprego. E uma cortina de silêncio se forma em torno de sua obra, eclipsando-a. Só depois da morte do autor é que ela irá se impor, triunfando sobre o racismo provinciano, graças ao interesse que desperta num cientista estrangeiro. A figura de Arcanjo vai, então, renascendo das cinzas, num processo de revisão que se move do campo erudito para o popular, atingindo o ponto máximo com a homenagem que lhe é prestada, no carnaval da Bahia, pela Escola de Samba Filhos do Tororó.
Na cidade do Salvador apresentada no romance percebemos as fortes mudanças empreendidas no sentido de gerar a idéia de progresso a partir da instalação de indústrias e desenvolvimento urbano. O período apresentado como “tempo” do romance compreenderia o final do século XIX e início do XX quando no Brasil, para se modernizar, são aplicadas as chamadas teorias higienistas como base para a criação de um projeto nacional: as diferenças de raça e o evolucionismo das mesmas tornavam-se o ponto chave para a criação do tipo ideal nacional. Nesse contexto, as teorias apresentadas e defendidas por Silvio Romero, Oliveira Viana, Manoel Querino, Arthur Ramos, Conde de Gobineau e Nina Rodrigues entre outros fomentariam a ideologia desenvolvida nos centros de ensino nacionais como a Faculdade de Medicina da Bahia.
No livro fica perceptível essa luta ideológica travada entre a cultura popular e a ciência européia aqui adaptada através dos vários embates empreendidos entre Pedro Arcanjo, o delegado Pedro Gordilho e o professor Nilo Argolo; ou mesmo no combate realizado pelo aparelho estatal através dos jornais e da polícia, na busca de minimizar, ou mesmo exterminar, as práticas culturais desenvolvidas nos terreiros de candomblé, nas rodas de capoeira e dos grupos de afoxés durante o Carnaval. E, principalmente, na resistência empreendida pela população organizada na pessoa do “Rábula do povo”, o defensor dos pobres e dessa cultura que seria considerada de guetos mas estaria disseminada em todas as esferas da sociedade .
A importância dos diálogos travados entre a chamada cultura popular e a ciência no texto conduz o leitor ao grande projeto nacional revisto nas palavras de Archanjo que acredita ter descoberto o tipo ideal brasileiro na figura do mestiço, este representaria o encontro de todas as etnias gerando a idéia que seria apregoada por Gilberto Freyre de democracia racial. Por isso, ao defender a cultura mestiça Archanjo profetiza o futuro onde “...tudo já terá se misturado por completo e o que hoje é mistério e luta de gente pobre, roda de negros e mestiços, música proibida, dança ilegal, candomblé, samba, capoeira, tudo isso será festa do povo brasileiro, música, balé, nossa cor, nosso riso, compreende?” (Tenda dos milagres...p.317-8).
Marysther Oliveira do Nascimento
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação
em Literatura e Diversidade Cultural – UEFS
Colunista - Brasil Escola.co

14 de ago. de 2011

Um pigmeu no zoo

OTA BENGA, UM PIGMEU NO ZÔO DE NOVA IORQUE.

Em 1888 o rei belga Leopoldo II, o dono do Congo, organizou na colônia um exército de mercenários chamado Force Publique. Constituíam um corpo de polícia, força anti-guerrilheira e exército de ocupação que já em 1900 atingia os 19 mil homens encarregados de conter tanto as numerosas sublevações étnicas, como de garantir o trabalho escravo de carregadores e coletores de borracha. Enforcamentos, torturas e mutilações eram os métodos de dissuasão que utilizavam em suas expedições de castigo.

Numa delas arrasaram um povoado, assassinando e desmembrando àqueles nativos em estado inferior de evolução. Entre os mortos estavam a mulher e os filhos de Ota Benga, um pigmeu que tinha ído caçar e regressava ao povoado para comunicar que tinha abatido um elefante. Capturado pelos assassinos de sua família, Ota Benga foi levado a um mercado de escravos.

Ali foi visto por um famoso explorador chamado Samuel Verner, que estava procurando pigmeus para exibi-los na Exposição Universal de Saint Louis, no estado do Missouri, de 1904. Verner agachou-se e inspecionou Ota, separando-lhe os lábios para examinar seus dentes. Gostou da mercadoria e trocou-o por um saco de roupa. Ota ainda ajudou Verner a convencer outros pigmeus para que lhes acompanhassem a Saint Louis.

Não era uma prática estranha. Vistos como curiosidade antropológica pelos primeiros exploradores europeus que visitaram a África, os pigmeus, homenzinhos que mediam no máximo 1,35 metros, sempre tiveram em suas características físicas uma senha de identidade ao mesmo tempo em que um passaporte para o escárnio.

Já em 1897, Leopoldo II tinha disposto que na Exposição Universal de Bruxelas fosse apresentada uma cenografia daquele Congo longínquo e pitoresco que lhe produzia tão notáveis benefícios. Fez trazer da África 267 homens, mulheres e crianças entre os quais dois pigmeus e organizou uma representação da vida Africana que atraiu a atenção de um milhão de visitantes.

Ante eles, os africanos dançavam diante de réplicas de choupanas de bambu com telhado de palha. Os visitantes lançavam-lhes comida, o que produziu indigestões entre os indígenas até o ponto de que o próprio rei Leopoldo ordenou colocar um cartaz que dizia: "Os negros só podem ser alimentados pelo comitê organizador". Quando chegava a noite eram recolhidos nos estábulos reais.

Selvagens Primitivos
Assim como os africanos de Leopoldo, quando Ota Benga chegou nos EUA foi exibido junto com seus colegas na seção de antropologia da Exposição, expostos embaixo de uma epígrafe de "selvagens primitivos". Sua presença e a dos demais pigmeus foi muito celebrada pelo numeroso público que se acercou para visitar a Exposição, 20 milhões de pessoas que deixaram 25 milhões de dólares em bilheteria.

Alguns antropólogos aproveitaram Ota e seus colegas como ratos de laboratório para seus estudos. Neste aspecto submeteram os pigmeus a diversos testes de inteligência que, com indissimulado racismo, serviram para proclamar que os negrinhos "se comportavam da mesma forma que pessoas mentalmente deficientes", cometendo muitos erros estúpidos e demorando muito tempo em executar as provas mais simples. Algo fácil de compreender se levar em conta que ainda 20 anos depois autores como Crookshank seguiam sustentando que o homem branco provia dos primatas mais inteligentes, os chimpanzés; os orientais, dos orangotangos, e os negros, dos fortes mas pouco inteligentes gorilas.

Acabada a Exposição, Verner cumpriu sua palavra e levou Ota e seus amigos de regresso a África. Ali, Ota Benga voltou a casar-se quase de imediato, mas sua segunda mulher morreu pela picada de uma cobra. Só, sem família, nem clã que lhe protegesse, e com o resto de pigmeus repudiando-o pelas más experiências passadas na terra do homem branco, Ota Benga voltou a se juntar com Samuel Verner, lhe acompanhando em sua volta a América.

De novo nos EUA, o explorador vendeu os animais capturados na África a diferentes zoológicos. Segundo explica Phillips Verner Bradford, neto de Verner e co-autor, com Harvey Blume, do livro Ota Benga: The Pigmy In The Zoo, o explorador entrou numa bancarrota, seu patrimônio foi embargado e a tutela de Ota Benga ficou nas mãos do Museu Americano de História Natural. Ota Benga acabou em Nova Iorque.

Dentes Afiados

William Hornaday, diretor do Bronx Zoological Garden da cidade, quis então tornar realidade uma velha aspiração: formar a hierarquização das raças numa espécie de representação que mostrasse a supremacia do homem branco sobre os selvagens africanos, a quem considerava análogos aos macacos. Com tal motivo, misturando um verniz pseudo-antropológico com uma populista representação circense, Ota Benga foi encerrado numa jaula compartilhando espaço com um orangotango.

Inicialmente, ele podia caminhar pelo zoológico e inclusive ajudava na alimentação dos animais. Mas quando foi colocado em exibição, Benga passou a fazer parte da "Casa dos Macacos", além disto carregava sua rede, seu arco e seta e inclusive os disparava como parte do bizarro show. No primeiro dia da exibição, 8 de setembro de 1906 os visitantes podiam ler a seguinte informação na frente da jaula: Pigmeu Africano "Ota Benga" 23 anos de idade. Altura: 4 pés e 11 polegadas. Peso: 103 libras. Trazido da foz do rio Kasai, Estado Livre do Congo, Centro Sul da África pelo Dr. Samuel Phillips Verner..
O Diretor do Zoológico do Bronx William Hornaday viu a exibição como um espetáculo valioso inclusive economicamente dado seu elevado número de visitantes, e foi auspiciada por Madison Grant um proeminente geneticista racista.
O público se amontoava ante seu habitáculo, ávido para contemplar àquele homenzinho, que mal media 1,35 metros. Muitos se admiravam com seus dentes afiados "para devorar carne humana", segundo era divulgado na imprensa. Explodindo esta lenda, os responsáveis do zoo encarregaram-se de semear de ossos o solo da jaula, o que excitava ainda mais a curiosidade das até 40.000 pessoas que iam vê-lo em alguns domingos.

Mas aquela situação não podia se prolongar e algumas instituições religiosas foram em sua ajuda. Uns dizem que por caridade; outros, que para evitar a difusão de teorias evolutivas.

No final de setembro de 1906, Ota Benga foi levado para o Orfanato e Asilo Howard Colored onde ficou até 1910 quando passou à tutela da poetisa Anne Spencer que mandou arrumar os seus dentes (tinham sido limados para dar-lhe forma pontiaguda) e deu-lhe roupas ao estilo americano.

Benga estudou e começou a trabalhar numa fábrica local de fumo. Apesar de sua pequena estatura, provia uma ajuda importante porque era capaz de trepar até as polias e tirar as folhas de fumo sem ter que usar cordas. Seus amigos começaram a chamá-lo de "Bingo".

Ota Benga, estava preso entre dois mundos, sem poder regressar a áfrica e visto principalmente como uma curiosidade nos Estados Unidos. Em 20 de março de 1916 à idade de 32 anos, arrancou as coroas que tinham implantado nos seus dentes, fez um ritual de uma dança tribal e disparou no próprio peito com uma pistola que tinha roubado. Em seu Atestado de óbito aparece como Ota Bingo.

Leia mais em: Ota Benga, um pigmeu no zôo de Nova Iorque - Metamorfose Digital http://www.mdig.com.br

26 de jun. de 2011

A TERCEIRA DIÁSPORA

A 'Terceira Diáspora': entrevista a Goli Guerreiro



Ilustração de valentina garcia a partir de peça de arte popular do Benin.
Ilustração de valentina garcia a partir de peça de arte popular do Benin.

Você explica terceira diáspora como “deslocamento de signos provocado pelo circuito de comunicação da diáspora negra”. Se essa diáspora é propiciada pela globalização eletrônica, por que ela se dá com mais força entre as cidades atlânticas?


 Eu não diria que terceira diáspora é uma explicação e sim uma idéia que tenta atualizar o sistema de trocas entre culturas que aconteceram desde sempre. Pra ler o mundo a gente faz recortes e se posiciona. Esta leitura trata da história moderna de povos negros no Ocidente. Claro que as trocas não se dão somente nesse universo, mas foi este mundo que eu quis comentar, sampleando informações produzidas por negros “mas não propriedade exclusiva deles”, como diz Paul Gilroy em um dos posts dedicados a intelectuais de várias partes do atlântico. As cidades concentram 50 % da população da terra, é normal que a produção cultural em lugares com tanto trânsito de pessoas seja mais intensa. Mas o que o circuito de comunicação potencializado pela web traz de mais interessante é exatamente a possibilidade de deslocar centros e periferias, tornando possível escrever um livro em que Salvador é o centro do mundo. Milton Santos ajuda bastante: “o centro do mundo está em todo lugar. O mundo é o que se vê de onde se está”.

Diante da globalização esse tráfego de signos vai além das fronteiras étnicas? Em outras palavras, é preciso identificar-se como negro para fazer parte dessa rede? (Pergunto isso porque da minha leitura do livro fiquei com uma leve impressão que as trocas só se dão entre negros. Como se não existissem brancos contribuindo para esse intercâmbio).


Adoro que o trabalho cause este impacto estético. É incrível que numa cidade tão negra soe estranho que quase só haja pretos em todas as páginas dos livros. É claro, você sabe bem, que não precisa ser negro pra fazer parte desse circuito de informação (senão eu mesma não estaria nele e há tantos não negros envolvidos…), mas o trabalho tem a intenção de colocar os negros em seu lugar, ou seja, em todas as partes, em todos os campos de criação artísticos, comportamentais e ideológicos desta e de outras cidades.
Alguns dos lugares que você cita, por questões políticas e econômicas, se encontram mais ou menos isolados desse câmbio de signos e informações? De que maneira esse tipo de lugar interessa para sua pesquisa que tem trocas e hibridizações como foco?
As desigualdades jamais evitaram a criação e circulação de práticas, conhecimentos e estratégias. Se pensarmos em tudo que os negros inventaram e reelaboraram durante o escravismo, dá pra ter uma noção dessa capacidade de driblar mazelas e moldar contextos culturais. Atualmente a internet, por mais limitada que seja, permite façanhas como a da cubana Yoani Sanchez, que entrevistou Barack Obama e postou em seu blog o cotidiano de Havana com filmes feitos em celular.

Você dividiu o livro em dois e dedica um deles inteiramente ao porto da Bahia. Isso se explica por conta do seu ponto de vista ser daqui, ou o papel de Salvador nessa rede atlântica é mesmo destacado?


Não pretendo insinuar que a produção cultural de Salvador seja mais proeminente se comparada a outras cidades atlânticas. Apenas sou soteropolitana e vivendo aqui tenho acesso ao que se produz em vários campos de criação. Conversando com as pessoas, pesquisando blogs, myspace, livros, documentários, foi possível cartografar esse repertorio estético, usando palavras dos próprios autores que falam de música, moda, cinema, literatura, design. O livro mapeia também os núcleos de ativismo político que tentam reverter o modelo racista que enfrentamos há séculos.

 Goli Guerreiro

Goli Guerreiro
O nascimento do samba-reggae ainda é o melhor exemplo local de como essa rede atlântica atua? Que outros exemplos você citaria?
Foi tentando entender como um estilo tão potente foi inventado aqui sob os nossos olhos, que a imagem do mundo atlântico se desenhou. A história desse mundo tem a ver com as diásporas negras. O ocidente moderno se ergueu através delas, primeiro via tráfico negreiro e depois pelas migrações, que redesenharam as cidades e suas ambiências culturais. Londres por exemplo recebeu mais de 500 mil caribenhos em três décadas, hoje faz o maior carnaval da Europa, e é um dos maiores produtores de reggae jamaicano!

Que congruências e incongruências o Porto da Bahia apresenta em relação ao resto do Atlântico Negro?


A pesquisa etnográfica, que sustenta o trabalho, pressupõe que as semelhanças estão postas e busca as diferenças que também saltam aos olhos. Em Uidá, no Benin, onde se encontra a Porta do Não Retorno, local de partida de milhões de africanos para as Américas, acontece anualmente o Festival de Vodum (religião que viajou para o Novo Mundo). Diferentemente do segredo que cerca os ritos sacrificiais no candomblé do Brasil, no Benin, a cerimônia é pública e as TVs locais exibem inclusive o sacrifício de animal de quatro patas. A celebração reúne centenas de sacerdotes e sacerdotisas que se deixam filmar e fotografar por curiosos de todos os lugares do mundo. Há muitas referências que apontam para dessemelhanças. Outro exemplo são as mesclas entre indianos e negros em Port of Spain (capital de Trinidad, no Caribe), ausentes no Brasil. A seleção de posts quer chamar a atenção também para aspectos pouco abordados, como as escritas africanas. Para além da oralidade há diversos alfabetos criados onde hoje estão países que chamamos de Nigéria, Gana, Camarões. Inclusive as capas dos livros trazem os alfabetos africanos nsibidi e adinkra.

Dakar. Foto de Arlete SoaresDakar. Foto de Arlete Soares

Por que você optou pelo formato de blog e não por organizar os livros de uma forma acadêmica tradicional? Quais as implicações deste formado no que diz respeito à pesquisa?


Estou falando de um momento atual, pós-internet, esta opção estética não é um adorno. Selar forma e conteúdo é fundamental para a comunicação. As imagens (e a forma como elas dialogam com os fragmentos) são chave para acessar o livro, além dos comentários, links, marcadores. Foi preciso pensar uma maneira de editar este repertório transcultural da terceira diáspora sem trair a ideia de fluxo, de deslocamento. E, ao mesmo tempo, organizando muitas referências: filmes, romances, blogs, ensaios, entrevistas, notas de campo, canções. O design, elaborado por Valentina Garcia, e a sofisticação editorial da Corrupio foram fundamentais para dar forma ao conteúdo sem amarras que os livros expõem.

Entrevista com Goli Guerreiro publicada pelo Jornal A Tarde, Salvador, 12/11/2010.

28 de abr. de 2011

“Deus nos livre de um Brasil evangélico”

O pastor herege


“Deus nos livre de um Brasil evangélico”, diz o religioso Ricardo Gondim, crítico dos movimentos neopentecostais. Por Gerson Freitas Jr. Foto: Olga Vlahou

“Deus nos livre de um Brasil evangélico.” Quem afirma é um pastor, o cearense Ricardo Gondim. Segundo ele, o movimento neopentecostal se expande com um projeto de poder e imposição de valores, mas em seu crescimento estão as raízes da própria decadência. Os evangélicos, diz Gondim, absorvem cada vez mais elementos do perfil religioso típico dos brasileiros, embora tendam a recrudescer em questões como o aborto e os direitos homossexuais.

Aos 57 anos, pastor há 34, Gondim é líder da Igreja Betesda e mestre em teologia pela Universidade Metodista. E tornou-se um dos mais populares críticos do mainstream evangélico, o que o transformou em alvo. “Sou o herege da vez”,  diz na entrevista a seguir.

CartaCapitalOs evangélicos tiveram papel importante nas últimas eleições. O Brasil está se tornando um país mais influenciável pelo discurso desse movimento?


Ricardo Gondim: Sim, mesmo porque, é notório o crescimento do número de evangélicos. Mas é importante fazer uma ponderação qualitativa. Quanto mais cresce, mais o movimento evangélico também se deixa influenciar. O rigor doutrinário e os valores típicos dos pequenos grupos se dispersam, e os evangélicos ficam mais próximos do perfil religioso típico do brasileiro.

CC: Como o senhor define esse perfil?


RG: Extremamente eclético e ecumênico. Pela primeira vez, temos evangélicos que pertencem também a comunidades católicas ou espíritas. Já se fala em um “evangelicalismo popular”, nos moldes do catolicismo popular, e em evangélicos não praticantes, o que não existia até pouco tempo atrás. O movimento cresce, mas perde força. E por isso tem de eleger alguns temas que lhe assegurem uma identidade. Nos Estados Unidos, a igreja se apega a três assuntos: aborto, homossexualidade e a influência islâmica no mundo. No Brasil, não é diferente. Existe um conservadorismo extremo nessas áreas, mas um relaxamento em outras. Há aberrações éticas enormes.

CC: O senhor escreveu um artigo intitulado “Deus nos Livre de um Brasil Evangélico”. Por que um pastor evangélico afirma isso?


RG: Porque esse projeto impõe não só a espiritualidade, mas toda a cultura, estética e cosmovisão do mundo evangélico, o que não é de nenhum modo desejável. Seria a talebanização do Brasil. Precisamos da diversidade cultural e religiosa. O movimento evangélico se expande com a proposta de ser a maioria, para poder cada vez mais definir o rumo das eleições e, quem sabe, escolher o presidente da República. Isso fica muito claro no projeto da Igreja Universal. O objetivo de ter o pastor no Congresso, nas instâncias de poder, é o de facilitar a expansão da igreja. E, nesse sentido, o movimento é maquiavélico. Se é para salvar o Brasil da perdição, os fins justificam os meios.

CC: O movimento americano é a grande inspiração para os evangélicos no Brasil?


RG: O movimento brasileiro é filho direto do fundamentalismo norte-americano. Os Estados Unidos exportam seu american way oflife de várias maneiras, e a igreja evangélica é uma das principais. As lideranças daqui leem basicamente os autores norte-americanos e neles buscam toda a sua espiritualidade, teologia e normatização comportamental. A igreja americana é pragmática, gerencial, o que é muito próprio daquela cultura. Funciona como uma agência prestadora de serviços religiosos, de cura, libertação, prosperidade financeira. Em um país como o Brasil, onde quase todos nascem católicos, a igreja evangélica precisa ser extremamente ágil, pragmática e oferecer resultados para se impor. É uma lógica individualista e antiética. Um ensino muito comum nas igrejas é a de que Deus abre portas de emprego para os fiéis. Eu ensino minha comunidade a se desvincular dessa linguagem. Nós nos revoltamos quando ouvimos que algum político abriu uma porta para o apadrinhado. Por que seria diferente com Deus?

CC: O senhor afirma que a igreja evangélica brasileira está em decadência, mas o movimento continua a crescer.


RG: Uma igreja que, para se sustentar, precisa de campanhas cada vez mais mirabolantes, um discurso cada vez mais histriônico e promessas cada vez mais absurdas está em decadência. Se para ter a sua adesão eu preciso apelar a valores cada vez mais primitivos e sensoriais e produzir o medo do mundo mágico, transcendental, então a minha mensagem está fragilizada.

CC: Pode-se dizer o mesmo do movimento norte-americano?


RG: Muitos dizem que sim, apesar dos números. Há um entusiasmo crescente dos mesmos, mas uma rejeição cada vez maior dos que estão de fora. Hoje, nos Estados Unidos, uma pessoa que não tenha sido criada no meio e que tenha um mínimo de senso crítico nunca vai se aproximar dessa igreja, associada ao Bush, à intolerância em todos os sentidos, ao Tea Party, à guerra.

CC: O senhor é a favor da união civil entre homossexuais?


RG: Sou a favor. O Brasil é um país laico. Minhas convicções de fé não podem influenciar, tampouco atropelar o direito de outros. Temos de respeitar as necessidades e aspirações que surgem a partir de outra realidade social. A comunidade gay aspira por relacionamentos juridicamente estáveis. A nação tem de considerar essa demanda. E a igreja deve entender que nem todas as relações homossensuais são promíscuas. Tenho minhas posições contra a promiscuidade, que considero ruim para as relações humanas, mas isso não tem uma relação estreita com a homossexualidade ou heterossexualidade.

CC: O senhor enfrenta muita oposição de seus pares?


RG:  Muita! Fui eleito o herege da vez. Entre outras coisas, porque advogo a tese de que a teologia de um Deus títere, controlador da história, não cabe mais. Pode ter cabido na era medieval, mas não hoje. O Deus em que creio não controla, mas ama. É incompatível a existência de um Deus controlador com a liberdade humana. Se Deus é bom e onipotente, e coisas ruins acontecem, então há algo errado com esse pressuposto. Minha resposta é que Deus não está no controle. A favela, o córrego poluído, a tragédia, a guerra, não têm nada a ver com Deus. Concordo muito com Simone Weil, uma judia convertida ao catolicismo durante a Segunda Guerra Mundial, quando diz que o mundo só é possível pela ausência de Deus. Vivemos como se Deus não existisse, porque só assim nos tornamos cidadãos responsáveis, nos humanizamos, lutamos pela vida, pelo bem. A visão de Deus como um pai todo-poderoso, que vai me proteger, poupar, socorrer e abrir portas é infantilizadora da vida.

CC: Mas os movimentos cristãos foram sempre na direção oposta.


RG: Não necessariamente. Para alguns autores, a decadência do protestantismo na Europa não é, verdadeiramente, uma decadência, mas o cumprimento de seus objetivos: igrejas vazias e cidadãos cada vez mais cidadãos, mais preocupados com a questão dos direitos humanos, do bom trato da vida e do meio ambiente.

Fonte Carta Capital

21 de abr. de 2011

SIMÃO - O NEGRO QUE CARREGOU A CRUZ DE CRISTO


SIMÃO CIRINEU


Os últimos cinco dias que Jesus Cristo passou vivo foram emocionantes, aconteceu a “Paixão de Cristo”, celebrada todos os anos pelos cristãos, um episódio trágico até hoje representado no mundo inteiro pelas comunidades cristãs. Neste texto vou levantar algumas questões que como negro cristão acredito ser interessante na Paixão de Cristo. Uma questão a qual considero muito relevante foi a participação de Simão Cireneu. Lendo os textos bíblicos dos três evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) que narram o episódio, quero fazer algumas reflexões que considero importante para nós negros Cristãos. Simão vinha do campo o soldado romano o ver e logo o obriga a carregar a cruz, ele resisti mais é forçado. Depois que ele aceita levar a cruz se torna um aliado de Cristo, no percurso Simão começa a sofrer também ao ver o sofrimento de Jesus, um Simão já envolvido com Cristo.

Analisando os textos bíblicos procuramos entender o significado de Deus ter escolhido um Negro para ajudar o seu Filho nas horas mais difícil da sua vida. O texto bíblico afirma que Simão Cireneu foi “Forçado” a carregar a cruz. Será que dentro as multidões que seguia a Jesus e até mesmo entre os seus discípulos não havia nenhum voluntário pronto a ajuda-lo. Jesus não tinha condições nenhuma de subir o monte calvário que tinha 900 metros e precisava de alguém para ajuda-lo. O Próprio Simão Pedro que Jesus chamou para segui-lo este também foi o primeiro a fugir da cruz, dizendo que nunca tinha visto Jesus, acompanhando todo o acontecimento de longe.

Simão Pedro foi o primeiro seguidor voluntário de Jesus antes da sua morte, e Simão o Cireneu foi o ultimo seguidor, involuntário, antes da sua morte. Obrigado a seguir a Cristo levando a sua cruz em nome de um ato diabólico a morte de um inocente.

Acredito que Deus tem algo a dizer com tudo isso. Voltando a nossa realidade de negros e negras, e pensando em nossos antepassados da diáspora também percebemos que eles foram involuntários, obrigados a seguir um Cristo em nome de um colonialismo e uma escravidão diabólica. Simão Cireneu na sua experiência e encontro involuntário com Cristo veio a se tornar juntamente com sua família de grande importância na Igreja Primitiva, a Bíblia menciona em vários textos.

Em Atos 13:1 ele reaparece como, Simeão Níger, Simão o negro, ele é um dos pastores da igreja, é o homem que impõe as mãos sobre Paulo para enviá-lo ao campo missionário. O homem que um dia carregou a cruz à força agora é um dos pastores da igreja, ele assumiu a cruz. Quando os escravos negros foram trazidos forçados para a América também foram obrigados a seguir a Cristo, eles também resistiram, mais logo perceberam que seguir a Jesus Cristo não eram aquilo que os seus opressores faziam, eles assumiram também a cruz, e descobriram um Cristo Salvador e Libertador e já não mais o seguia obrigado, mais como participante da sua morte e ressurreição.

O Cristo que outrora era usado para escraviza-lo agora era o Cristo da sua libertação da escravidão e racismo. Nos Estados Unidos e outros países da América isso aconteceu no período da escravidão, na África na colonização, e no Brasil ainda estamos passando por esse processo. Mais o que aconteceu com o ultimo discípulo de Cristo, Simão o Negro, também aconteceu com muitos dos nossos antepassados em África, na Diáspora na América e acontece ainda hoje conosco no Brasil.

A Paixão de Cristo, me fez refletir essas coisas, talvez por não conseguir ver o cristianismo como antes da conversão a minha negritude. Também cansado de ver a historia sendo contada sem a nossa participação e procurando olhar com olhos negros. Vivendo o processo que chamo de permanente conversão de um negro envolto ao um cristianismo branco, para um negro envolvido no Cristianismo de Jesus Cristo, de Salvação, Libertação e Negritude.

Por Hernani Francisco da Silva

9 de abr. de 2011

No futebol o negro não serve para pensar

Racismo no Futebol: Pesquisador da USP diz que negros não ocupam cargos de diretoria

No imaginário brasileiro, existe a ideia de que no meio futebolístico as relações raciais são leves e brandas, como se não houvesse discriminação por cor, e como se nos campos o negro tivesse um espaço ‘garantido’, ‘respeitado’. No entanto, uma série de histórias de vida e experiências contadas por jogadores, dirigentes, treinadores, árbitros, torcedores, jornalistas e intelectuais, seguidas das análises feitas pelo pesquisador Marcel Diego Tonini, revelam o caráter ainda racista dos bastidores do futebol, principalmente quando o que está em jogo é o comando de clubes e federações, ou seja, os cargos de chefia e liderança “além dos gramados”.

Percebendo que as pesquisas já realizadas a respeito do tema ‘negro no futebol brasileiro’ abordavam exclusivamente os jogadores, Tonini decidiu analisar outros profissionais desse universo. Assim, apresentou em seu trabalho um novo olhar sobre o tema, utilizando como ferramenta de estudo o registro das histórias orais da vida de pessoas que trabalham no campo e nos bastidores.

Os relatos demonstram como o racismo ainda é assunto ‘tabu’ no Brasil, evidenciando o histórico brasileiro de não discussão do tema, inclusive no meio futebolístico. “O ‘interior’ do futebol funciona na mesma direção da própria sociedade: uma ‘área rígida’ para as relações raciais, na qual ser negro ainda é empecilho para ascensão profissional”, salienta o pesquisador. “Nas 20 entrevistas, negros e brancos mediam palavras, como se o próprio ato de conversar sobre o tema significasse que eram racistas”, completa.

Segundo Tonini, o estudo das histórias narradas pelos próprios negros que vivenciaram situações de discriminação, com experiências dentro do jogo e relacionamentos nos bastidores, representa um caminho eficaz para o desenvolvimento da investigação sobre as relações raciais no Brasil.

As histórias de vida

Para realizar a pesquisa Além dos gramados: história oral de vida de negros no futebol brasileiro (1970-2010), Tonini entrevistou, entre outros, o ex-jogador Junior, do Flamengo; Jairo, que foi goleiro do Corinthians, e João Paulo Araújo, árbitro que atuou nas décadas de 1980 e 1990. Além deles, outras personalidades conversaram com Tonini, como Paulo César de Oliveira, árbitro, e os dirigentes do Juventude, do Grêmio e do Cruzeiro – times marcados por histórias polêmicas relacionadas à discriminação.

De acordo com o autor, a ideia do negro como jogador, e não como dirigente, ou técnico, já é algo comum e estabelecido no imaginário da sociedade. Essa concepção se confirmou por meio das entrevistas, que revelavam experiências de infância e dos dias atuais. Os relatos possibilitaram ao pesquisador entender como pensam os próprios sujeitos dos campos e bastidores quando o que está em pauta é o racismo no futebol.

“O intuito era acrescentar para a literatura dados qualitativos relevantes, referentes ao período de tempo compreendido entre os anos de 1970 e 2010; um recorte recente da nossa trajetória futebolística”, acrescenta.

Dirigentes brancos

Tonini pôde conlcuir que, mesmo no mundo do futebol, se mantém a mentalidade de que o negro não serve para pensar. Sendo incapaz de comandar, deve apenas obedecer. “Trata-se de uma herança do ideário escravocrata. Nesse contexto, podemos questionar, por exemplo, por que a maioria dos dirigentes é branca”, indaga o pesquisador.

“Geralmente, esses líderes vêm de famílias abastadas, já tendo sido sócios do clube. O fato de o branco ter mais oportunidades que o negro é uma questão relacionada à construção da história brasileira, marcada pela escravidão. A partir do momento que decidem que no futebol os dirigentes de clubes não são remunerados, consolida-se uma das várias maneiras de não deixar que o negro seja inserido nesses cargos de chefia. Até porque, nem aqueles jogadores negros que tiveram uma projeção conseguiram galgar a hierarquia do universo futebolístico”, explica Tonini.

Obstáculos da cor

Não conseguir apitar uma final de campeonato, por exemplo, foi um dos obstáculos enfrentados pelo entrevistado João Paulo Araújo. O ex-árbitro afirma não ter vivido essa experiência por causa da cor de sua pele. Andrade, ex-técnico do Flamengo, vencedor do Campeonato Brasileiro de 2009, não foi mais contratado por nenhum outro grande clube depois de ser demitido em 2010. Ele também é negro.

O relato de Junior, ex-jogador do Flamengo nas décadas de 1970, 1980 e 1990, que veio a ser treinador, abordou o caso da faixa estendida por torcedores em uma partida na Itália, onde estava escrito “Junior, negro sujo”. Tonini conta que o atleta veio de família rica do nordeste – uma exceção no contexto do futebol -, e que, provavelmente por conta disso, não se veja como negro, afirmando ainda não ter sofrido discriminação no Brasil.

Mas outros três relatos me chamaram atenção: os dos próprios dirigentes”, conta o pesquisador. “Quando perguntei sobre o caso de racismo que aconteceu em uma partida entre Grêmio e Cruzeiro, que inclusive teve repercussão na grande mídia, os dirigentes de ambos os clubes tentaram, de certa forma, minimizá-los, como se fossem meras casualidades, e não discriminação racial. Talvez, se dependesse deles, casos como esse não receberiam atenção”, aponta Tonini.

Fonte: www.usp.br