9 de jun. de 2007

Já dizia o sábio Asdrúbal, meu grande amigo, morador aqui da rua Perpétuo Socorro no Jequiezinho, que o homem vale o que é e não o que tem. Asdrúbal tinha muitas qualidades: Carpinteiro, um verdadeiro artista na arte de fazer poltronas e cadeiras e ótimo jardineiro. Aliás o jardim de sua casa constava de cerca de cem espécies de flores diferentes algumas silvestres e creio que nem ainda classificada pelos estudiosos de botânica. Bem, esse mestre da madeira e das flores uma vez me contou uma história que me fez refletir sobre o amor nas relações familiares e sua importância para formação do caráter de indivíduo. A história aconteceu aqui mesmo em Jequié, lá pelos anos quarenta.
Tudo começou quando o Procópio, pai de Asdrúbal veio morar na rua das Pedrinhas, atual XV de novembro. Próximo a eles moravam uma família de classe média alta, a família Correia Sá, sendo que o patriarca, já falecido naquela época, havia deixado algumas dívidas e muitos problemas para os filhos e a esposa. O mais velho, Alexandre, formado em direito e recém-casado com Berenice, a Berê, teria que tocar para frente os negócios do pai: Uma fazenda com algumas dezenas de cabeça de gado e mais algumas casas que alugavam no pequeno centro comercial de jequié
Acontece que o velho Procópio era viciado em jogos, principalmente rinha de galo, onde fazia altas apostas e possuía um elenco muito variado de brigões e valentes machos galináceos. Noites adentro em apostas foi se descuidando dos negócios e arriscando cada vez mais a saúde física e finaceira dele e da família.
Ás vezes ganhava em apostas o suficiente para pagar os empréstimos que tomava no banco e isso o encorajava a investir mais nesse negócio de alto risco. Outras perdia tanto que mal podia paga o Armazém Zetti, e fiava confiando no recebimento dos aluguéis para cobrir os débitos. Amiúde não tinha nem um centavo para mandar para as filhas que estudavam no Colégio Marista em Vitória da Conquista, e era obrigado a vender algumas rêses por preço de banana, mas nunca atrasava o pagamento das freiras.
Sua mulher, dona Augusta, sofria as ausências e noites afora que o marido passava. A fazenda na mão de um capataz, as casa de aluguel se deteriorando, carecendo de uma reforma e o marido tal um vampiro dormindo de dia e varando noites em uma casa de apostas. O quintal cheio daqueles bichos que ela aprendera a não gostar:Galos. Cânticos estridentes ao alvorecer que faziam-na estremecer. Ódio e rancor no coração. Há vários meses não fora a modista encomendar novos vestidos pois o marido nunca estava disposto para fornecer-lhe o dinheiro. Sofria calada como era comum as mulheres da sua classe que eram educadas para serem esposas e mães devotadas. Ainda que humilhadas ou desprezadas teriam que se manter firme em casa cuidando dos filhos e manter as aparências em público. A boa família jequieense!
Numa noite o velho perdera numa aposta duas casas: uma na Damião Vieira e outra na Abelardo Góes. Perdera para Guilherme, marceneiro já respeitado na cidade por ter talento, e por isso muito requisitado em toda região. O galo de Procópio, apelidado de galoneira, não ressitiu ao "Prefeito" do marceneiro. Fizeram mais uma aposto. Outros desafiantes do Prefeito, nenhum resistiu. Resultado: duas casas perdidas.
No outro dia foram ao cartório acertar as contas com as escrituras a as propriedades teriam novo possuidor. Na hora do almoço o olhar resignado e acusador da mulher e os suspiros de Alexandre. O pai com os olhos vermelhos de cachaça e insônia mal erguia a cabeça. Vícios. E seus desdobramentos. Na casa ao lado festa. O marceneiro recebia amigos para comemorar e mostrar o seu campeão.
Procópio morreu naquela mesma noite. Mal súbito. Coração Parou. O corpo não suportou tantas noites mal dormidas e muita cachaça e pouca comida. Enterro de rico. Alta sociedade. Autoridades. Família em choro moderado. As meninas vieram de Conquista. Estavam lindas. Olhos verdes lacrimejantes. Brilho sem cor.
Seguiu-se os dias de luto e ordem das coisas foi voltando ao normal. Alexandre assume então o comando dos negócios e aconselha a mãe para que as meninas fiquem em Jequié até pagar a s demais dívidas que o malfadado jogador deixara. Tentatia recuperar na justiça as casas perdidas pelo pai.
O vizinho aos poucos foi crescendo financeiramente e pode dar uma educação esmerada aos dois filhos nas melhores escolas da cidade. Porém o mesmo defeito do falecido lhe acometera também. Vivia fazendo altas apostas. Asdrúbal conta que uma vez ele perdeu quase tudo que possuía numa rinha de galo e desesperado e envergonhado após ficar só com a casa e oficina que lhe dava o sutento, fugiu repentinamente deixando para trás a dor e a vergonha para mulher e filhos.
Sozinhos e sem dipor dos bens perdidos pelo pródigo pai tiveram que se virar, com os meninos tocando a carpintaria e as meninas fazendo doce. E assim seguiram. Não tinham vergonha de sair nas ruas apregoando as gulosiemas que facbricavam de forma aterzanal para vender nas ruas da cidade.
Enquanto isso os seus ex-ricos vizinho se digladiavam acerca dos poucos bens administrados pelo irmão mais velho. Segundo Asdrúbal, o problema foi tão grave que sequer conseguima se sentar na mesma mesa. E mais grave. Alexandre não queria mais ajudar a mãe nem lhe dar uma pensão alegando que os outros não queriam fazer nada e ele não se sentia obrigado a sustentar-lhes. No final ficaram mais pobres ainda com despesas com advogado e desestruturação da família. A velha morreu. A mais nova fugiu com um homem casado para Salvador. Para Asdrúbal
essas famílias sao exemplos de como alguns enfrentam as adversidades e superam e outros se perdem num meio de um trubilhão. Eu, que não sou nenhu filósofo, prefiro não opinar mas sei que para quem éstá acostumado a ter pouco mais fácil enfrentar as dificuldades que aqueles que nasceram no berço de ouro e não tem nenhuma resiliência na bagagem.